OLHAR CONTEMPORÂNEO

13 de Maio deixa de ser visto como o dia da libertação da raça negra no País

Especialistas avaliam que a Lei Áurea não garantiu os meios de sobrevivência ao povo escravizado, perpetuando o racismo

Rodrigo Piomonte
13/05/2022 às 09:32.
Atualizado em 13/05/2022 às 09:43
População participa de ato público pelo Dia da Consciência Negra, comemorado anualmente em 20 de novembro, data escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695 (Ricardo Lima)

População participa de ato público pelo Dia da Consciência Negra, comemorado anualmente em 20 de novembro, data escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695 (Ricardo Lima)

O dia 13 de Maio, data oficial da abolição da escravatura no Brasil, deixou de ser comemorado pela comunidade negra brasileira como o dia da libertação dos escravos. Lideranças e membros de movimentos negros em Campinas explicam que a Lei Áurea, na forma como foi instituída em 13 de maio de 1888, não garantiu nenhum meio de sobrevivência digna para o povo escravizado. Na análise dos especialistas, a lei tirou os negros e negras das senzalas e os colocou na rua com apenas a roupa do corpo, contribuindo para a perpetuação do racismo estrutural que é enfrentado e vivido até os dias de hoje no país, 134 anos depois.

"Se o Estado brasileiro tivesse feito pelos negros o que fez pelos imigrantes, que ao chegarem na época para substituir a mão de obra escrava, receberam terra, dinheiro e trabalho, nós estaríamos discutindo hoje outras pautas. Talvez ainda o racismo, mas não uma questão tão estrutural como a pobreza da população negra, a ausência de pessoas negras em lugares de poder e em espaços de decisão. A partir dessa falta de política pública inicial, nós em 2022 ainda estamos discutindo essas mazelas", disse a advogada Adriana de Morais, presidente da Comissão da Igualdade Racial, em Campinas.

Segundo ela, a importância da data está na consolidação do movimento negro como instrumento social e que deu luz para as questões raciais e para a população negra, assinalando e apontando a ausência de políticas públicas e todas as mazelas que se perpetuaram no pós-escravidão. A advogada chama atenção ainda ao fato da lei que declarou extinta a escravidão no país 134 anos atrás possuir apenas dois artigos. Um que dizia que estava declarada extinta, na data da lei, a escravidão. Outro que dizia ter revogado as disposições em contrário. "Veja, enquanto análise de um instrumento jurídico, de uma legislação, é impossível você legislar ou dizer algo em apenas dois artigos que extinguem um fato social sem dizer como vão ficar essas pessoas que foram assoladas por esse fato", explica.

Outro ponto destacado pela jurista foi o fato da assinatura da lei ter sido um ato formal e não um ato de benevolência para com as pessoas negras. "Muito embora havia um movimento abolicionista, na época o fato ocorreu porque havia uma pressão para que se acabasse a escravidão no Brasil, por conta de uma questão comercial", disse. Segundo ela, a ausência total de políticas públicas em relação às pessoas negras na época da assinatura da lei gerou o racismo estrutural que é conhecido hoje.

Para a vereadora Paolla Miguel (PT) - autora de um projeto no Legislativo campineiro de DNA África, que cria um mecanismo gratuito para a realização de exames de DNA para mapeamento genético de ancestralidade dos descendentes de negros africanos escravizados no Brasil -, o dia 13 de maio, embora de grande importância para a história do país, não representa de fato a luta do povo negro, muito menos em Campinas. "Nossa cidade foi a última a abolir de fato o trabalho escravo negro, bem depois da lei Áurea. Isso se reflete e muito ainda na luta do povo negro na cidade, que tem uma Câmara com perfil conservador, apesar de ter vereadores e vereadoras também comprometidas com esta pauta", disse. 

O aposentado Marco Antônio de Paula, morador do Centro, conhece bem a história do racismo estrutural na cidade e no país. "Eu trabalhei por anos na biblioteca central da Universidade Estadual de Campinas. Durante toda a minha vida convivi com o racismo, no trabalho e na vida social. E acho que a coisa ainda vai longe. Mas quem perde hoje em dia são os que cometem atos racistas, pois precisam conviver com esse sentimento terrível", disse.

O racismo estrutural é visto claramente no mercado de trabalho, onde negros e negras além de terem salários mais baixos que os da população não negra, ocupam os postos de trabalho mais precarizados, e são a maioria dos desempregados. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o desemprego entre os negros é 71% maior que entre a população branca.

Dados levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na Pesquisa Nacional por Amostra de domicílios (Pnad-Contínua), também do IBGE, mostram que o trabalho desprotegido é realidade para a maioria de negros e negras. Nessas ocupações, estão 48% dos negros (homens não negros são 35%) e 46% das negras (mulher não negras nesse tipo trabalho são 34%).

A média salarial para mulheres negras também é inferior, de R$ 1.334 contra R$ 2.060 de mulheres não negras. Para os homens negros a média salarial é de R$ 1.540 contra R$ 2.397 de não negros. Os dados mostram que a mulher negra, principalmente, está na base da pirâmide social brasileira.

Embora admita que o 13 de Maio é uma data importante para a provocação do debate sobre a situação da população negra na cidade e no país, a vereadora Paolla Miguel reforça que as datas emblemáticas de comemoração para a comunidade são o 25 de julho, dia de Tereza de Benguela, e o 20 de Novembro, dia de Zumbi, quando são homenageados "os verdadeiros responsáveis pela abolição, ainda inacabada."

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