ig-celia-farjalatt (aan)
Quando eu era menina, e faz muito tempo, Campinas era provinciana, muito diferente da cidade hoje. Muita coisa mudou radicalmente, o que é natural. Como exemplo: os vendedores de rua e as compras.
Vamos lá. As ruas ganhavam mais vida de manhã com o leiteiro, o verdureito e outros ambulantes. O leite era vendido de porta em porta. Havia cabreiros conduzindo cabras ordenhadas à vista do freguês. Leite de vaca era comercializado de porta em porta, e as criadas, quando o ouviam o sininho anunciando o homem do leite, corriam à porta com leiteiras e caldeirões.
Em outros casos, o leite era entregue em garrafas arrolhadas com um boneco de palha de milho. Conforme registrou Barbosa Pupo, em seu pitoresco “Oito bananas por um tostão”, as garrafas vinham em sapicuás, acondicionadas cada qual em seu compartimento e a entrega era feita a pé ou a cavalo. Não se falava em pasteurização. Mas havia batismo, e às vezes, apareciam boiando no leite, lambaris e guarus. De alta qualidade, era o leite da Vila Brandina do benemérito empresário Lafayete Álvaro de Souza Camargo.
Supermercados são novidades de agora. Verdureiros e fruteiros vendiam seus produtos em carrocinhas puxadas a burro, e os bucheiros anunciavam tripas e miúdos soprando berrantes. As compras de gêneros podiam ser feitas em quitandas e botecos.
O frangueiro era personagem importante. Carregava nas costas uma trave roliça de madeira, onde amarrava pelos pés frangos e galinhas, que assim faziam sua última viagem, de cabeça para baixo. Outros frangueiros levam frangos e patos dentro de cestas: os mais abastados já possuíam carrocinhas onde os galináceos ficavam mais à vontade em engradados.
Eu tinha uma pena daqueles bichinhos emplumados, que de bico aberto eram logo degolados pelas cozinheiras.Data daí, provavelmente, meu horror particular à alimentação carnívora. Acho que me tornei vegetariana de pura pena dos patos e galinhas, levados da roça para os quintais da cidade e logo sacrificados. Os frangueiros também vendiam ovos bem embrulhados em palha de milho.
Em jacás compridos vinham das fazendas, em lombo de burro ou em carrocinhas, dúzias de frangos, galinhas comuns e galinhas de Angola, estas pintadinhas de branco e preto. Soltas no galinheiro do quintal, soltavam de espaço em espaço o grito agudo: tô fraco, tô fraco.
Hoje, muitas crianças da cidade nunca viram um frango vivo. Só conhecem o congelado, envolto em plástico, comprado no supermercado do bairro.
O jeito de fazer compras era diferente. Madame fazia as compras da casa, encomendando os pedidos e recebendo tudo. Mas, às vezes, para certas compras, de um vestido, por exemplo, dispensando a condução. Queria um vestido novo para um sarau ou casamento, vamos acompanhá-la.
Muito bem vestida, de chapéu (um chapéu medonho, por sinal, cheio de frutas e flores). Usava botinhas brancas, de ponta fina, um suplício infernal. Atrás, ia a prestimosa Benedita, para carregar pacotes. Entravam na loja. Os caixeiros mostravam tudo que a loja tinha, mas ela não tinha pressa. Ela disse ainda: eu só quero tecido estrangeiro. Ah, mande entregar em casa amostras de renda cinza , e três carreteis de linha preta.
Madame saía majestosamente. Benedita trotando atrás. Passavam no chapeleiro. Chegaram os chapeuzinhos de Paris .Monsieur Jacques? Só no fim da semana,Madame. Au revoir, Madame. Au revoir, Monsieur.