Arte

Caipira no picadeiro

Pouca gente sabe, mas muito do que um dos mais famosos personagens do cinema brasileiro fazia para cativar seu público teve origem no circo

Thais Jorge
13/04/2015 às 16:46.
Atualizado em 23/04/2022 às 16:50

O jeitão do típico trabalhador da roça brasileiro, representado por meio de diálogos, gestos e expressões, revelava muito mais do que um personagem que se tornou símbolo de talento e sucesso. Era, também, o retrato de um artista completo, que teve sua base construída, como poucos sabem, debaixo das lonas do circo. Amácio Mazzaropi, que, entre suas mil faces deu vida ao Jeca Tatu, é um filho do mundo mágico circense que levou consigo essa paixão até o fim da vida, inspirando e alterando a forma de se fazer arte, tornando-se um ícone e, consequentemente, objeto de pesquisa. Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Família Bartolo Mazzaropi, em 1980, em frente ao Circo Italiano No mês em que é comemorado o aniversário de nascimento de Mazzaropi, a Metrópole conversou com o jornalista cultural e pesquisador de teatro Tiago Gonçalves, que participa do Programa de Pós-Graduação Artes da Cena, do Instituto de Artes (IA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa dele é exatamente sobre a influência da teatralidade circense na construção da filmografia caipira do comediante. "É uma herança dele como artista sobre a qual se fala muito pouco e, na verdade deveria ser o oposto, pois o circo teve uma importância muito grande na carreira do Mazzaropi e foi decisivo para sua construção artística", argumenta Gonçalves, que conheceu o ídolo depois de assistir Jecão, Um Fofoqueiro no Céu, na casa de sua tia-avó. "Fiquei encantado com aquilo, e comecei a assistir tudo. Tinha uns 12 anos na época", conta.  Gonçalves explica que o circo funcionou, inclusive, como termômetro para os textos e as falas de Mazzaropi no próprio cinema. Para o jornalista, a grande dificuldade de sua pesquisa está na falta de material e da memória oral, uma vez que muitos dos que contribuiriam com ela já morreram. "Cada registro encontrado, portanto, torna-se uma raridade", conta. Oara brindar ao artista Mazzaropi, ele nos cedeu contatos de pessoas que conviveram diretamente com o comediante no universo do circo, inclusive aqui em Campinas. Influência Foto: Carlos Sousa Ramos/ AAN Tiago Gonçalves, jornalista e pesquisador: o circo foi decisivo para a construção artística de Mazzaropi "Essa polivalência do artista circense Mazzaropi levou para o cinema e para tudo o que fazia. Tanto é que ele é 4 quem fazia desde a produção até a distribuição dos filmes. E cobrava essa polivalência de toda a sua equipe", conta Gonçalves. Para o jornalista e pesquisador, a formação artística circense, por ser plural, torna o artista muito completo. "Acredito que o artista de circo é criado dentro de inúmeras possibilidades e tem um contato bastante próximo com as pessoas, recriando diariamente a si mesmo para sobreviver. Isso traz uma bagagem muito positiva", opina. Sobre a paixão do eterno Jeca pelo picadeiro, parece ser assunto indiscutível. "Ele levou o circo consigo a vida toda. Até quando estava doente, depois de todo o sucesso no cinema, continuava a fazer seus shows. Era parte dele", define Gonçalves. Debaixo das lonas  Em Campinas, o tradicional circo Irmãos Almeida, que se manteve até 1975, foi palco de Mazzaropi durante sua carreira entre o picadeiro e o respeitável público. De acordo com Abério Almeida, filho de Walter Almeida, proprietário do circo, no final dos anos 50 e começo dos 60, Mazzaropi já se apresentava no local. "Fez parte da minha infância. Lembro que ele chegava a fazer duas sessões seguidas, porque tinha muita gente do lado de fora esperando para ver o show. O Mazzaropi foi uma espécie de precursor do stand-up que tanto falam hoje em dia, com a diferença de que hoje tem esse nome chique", opina. "O circo teatro era uma fonte muito rica de conhecimento e cultura, além de dar espaço aos artistas no geral, já que cada dia havia uma peça e um autor diferente", frisa. Foto: REPRODUÇÃO / ARQUIVO PESSOAL FAMÍLIA AUGUSTO Mazzaropi e artistas do Circo Teatro Índio Brasil, em 1969: amor pelo picadeiro Segundo Walter, hoje com 90 anos, Mazzaropi era um tipo reservado, mas se transformava quando subia no palco. "Me lembro também de que ele era extremamente organizado. E, apesar de termos um bom público normalmente, quando ele vinha era excepcional. Trazia a massa fina da cidade", conta, orgulhoso, ao lado da mulher, Paulina Almeida. Ele lembra que o comediante costumava encerrar as apresentações com a música Sanfona da Véia, e arrisca até uma palhinha. "Nhec nhec nhec a véia é um fracasso, nhec nhec nhec. Era assim, né? Tenho muita saudade daquela época. Acho que o circo foi uma grande escola para o Mazzaropi", diz. A esposa de Walter concorda e também guarda boas lembranças da época. "Fui muito feliz. Temos tantas histórias boas. Quem tem uma memória feliz, tem tudo", conclui. Para Guaraciaba Malhone Cavalcanti, circense e filha do Palhaço Pirolito, que atuou junto de Mazzaropi, a relação do comediante com o circo era especial. "Meu pai é quem poderia dizer isso muito bem, pois conviveu muito tempo com ele em Taubaté. Ele ia muito ao circo do pai e as pessoas faziam uma fila enorme para assistir às apresentações", diz. Ligação especial  Entre os que conviveram com Mazzaropi, o consultor de vendas Edson Gallo, que foi motorista, tesoureiro e até parceiro de palco do artista, conta que várias vezes foi necessário levantar a lona do circo para abrigar os espectadores. "Todos os lugares em que ele ia lotavam. Era uma loucura. Tinha que esticar as lonas para caber mais gente. Quando o circo não tinha dinheiro, ele fazia o show de graça. E queria que a gente, que trabalhava com ele, participasse dos shows também, se envolvesse com aquele universo. Eu era escada dele, que é aquela pessoa que dá a deixa para a piada do artista, no palco", recorda. "Depois, também trabalheu na produção dos filmes", diz. Foto: Reprodução Edson Gallo, Mazzaropi e Andre: humorista era simples, mas muito sábio Gallo acredita que boa parte do que Mazzaropi construiu teve suas bases no circo e conta que recebia lições diárias de humildade do comediante. "Ele era uma pessoa muito simples. Sem estudo, mas muito sábio. Reconhecia a importância das pessoas e tratava a todos muito bem. Ele dizia que já tinha dado muitas voltas na vida e por isso dava muito valor a tudo e a todos. Aprendi muito com ele". Confira a seguir vídeos com cenas deste artista tão querido. 

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