O chamado 'fluxo percorrido' faz com que os artefatos fiquem estocados por anos seguidos
Uma das conclusões do estudo se refere às condições de segurança tanto nas delegacias como no Judiciário: formação de agentes para lidar com o fluxo ( Divulgação)
Ao ser apreendida por policiais, uma arma percorre um longo caminho entre elaboração de inquérito, perícias e processo até ser destruída pelo Exército. O problema é que esse caminho, chamado de “fluxo percorrido”, pode levar anos, resultado da burocracia e até mesmo “esquecimento”, principalmente do Poder Judiciário. Essa constatação faz parte da pesquisa “Fluxo das armas sob custódia do Estado”, realizada nas cidades de Campinas (SP), Recife (PE) e Campo Grande (MS) pelo Instituto Sou da Paz. Em Campinas, a estimativa é que existem 1.484 armas no depósito (dados de 2013), e anualmente mais 600 armas são apreendidas. A principal preocupação dos especialistas é que essas armas voltem para as mãos de criminosos, sendo roubadas ou furtadas. Entrave no Judiciário O estudo identificou que o principal problema está no Poder Judiciário. Segundo norma, o juiz deve decidir a destinação da arma logo após o recebimento do laudo pericial, mas de modo geral, há demora para a destinação dos artefatos. O Poder Judiciário paulista autoriza, em média, a destruição de 1.700 armas por ano em Campinas. Com isso, o tempo médio para esvaziar o depósito da cidade é de 1 ano e meio. Campo Grande levará 24 anos para esvaziar o depósito e Recife, 18 anos, de acordo com o estudo. A pesquisa também realizou uma amostra, rastreando 67 armas em Campinas, e constatou que, dois anos após a apreensão, apenas 33% delas haviam sido destruídas e 7% ainda permaneciam nas delegacias. As demais seguiam no depósito à espera da destruição. No período, uma arma desapareceu. O estudo foi feito pelo Instituto Sou da Paz desenvolveu, em parceria com Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Ministério da Justiça e Programa das Nação Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Problema Foto: Divulgação Baird: "Não há uma listagem das armas, garantindo um controle mínimo do estoque" “Campinas tem problema na custódia das armas, assim como as outras cidades verificadas. Não há uma listagem das armas, garantindo um controle mínimo do estoque. Além disso, foram encontradas armas estocadas do fim da década de 1980, o que não se justifica, ainda mais tendo em vista o risco para a segurança pública” , disse o coordenador do Instituto Sou da Paz, Marcello Baird. Ele também informou que no caso das armas das delegacias, há um desconhecimento dos agentes em relação aos procedimentos de controle e ao Estatuto do Desarmamento. Para ele, no entanto, Campinas está avançada em relação a perícia da arma. No Instituto de Criminalística de Campinas está implantado um sistema eletrônico de gerenciamento dos laudos, chamado GDL (pertencente ao governo do estado de São Paulo), que garante maior segurança e rastreabilidade às armas. “O sistema permite registrar toda a cadeia de custódia de armas, com informações sobre quando a arma chegou, a quem foi distribuída e quando a perícia foi concluída e a arma devolvida”, explicou. O Instituto concluiu que, entre as soluções, estão aperfeiçoar a formação dos agentes policiais e do Judiciário para lidar com o fluxo das armas. E aprimorar as condições de segurança tanto nas delegacias como no Judiciário. Lentidão Último dado do CNJ, de 2011, constatou haver 755 mil armas estocadas em fóruns por todo o País. A lentidão na destinação das armas faz com que elas se acumulem em depósitos cuja segurança é inapropriada, informa o Instituto Sou da Paz. O endereço do epósito onde as armas são guardadas em Campinas não foi revelado, por questões de segurança. A Secretaria de Segurança Pública informou que pediu, em dezembro de 2014, à Corregedoria Geral da Justiça para que seja autorizada a destruição de todas as armas de fogo e todas as munições apreendidas pelas polícias. Atualmente, há apenas uma parcela das apreensões com autorização de destruição. Não foi informado quantas são ou quando serão destruídas. Deficiência minimizada Em nota, o Poder Judiciário informou que havia uma deficiência para tratar do acervo, que “foi minimizada após a destruição de grande volume de armas que estavam nos fóruns”, em abril de 2012. Essa operação ocorreu em Campinas. No Estado de São Paulo, foram 60 mil armas de fogo destruídas. O órgão informou ainda que mudança sobre a guarda e o depósito (que permitiram ao magistrado destinar a arma logo após realização de laudo pericial), diminuindo o número de armas estocadas. O órgão informou também que colaborou com o estudo do Instituto Sou da Paz. Atualmente, as armas apreendidas em locais de crime pelas polícias Civil e Militar são lacradas e apresentadas nas delegacias de polícia e de lá são encaminhadas ao Instituto de Criminalística para realização de perícia. No IC, são realizadas análises de recenticidade de disparo, eficácia e confronto balístico. O tempo para a expedição do laudo depende da complexidade de cada exame. Após a perícia, as armas e os laudos são encaminhados às delegacias e seguem para a Justiça quando relacionadas a inquérito policial (IP). Se não estão vinculadas a IPs, vão para a Divisão de Produtos Controlados (DPC). Evolução Nos últimos anos houve certa evolução: alguns tribunais têm procurado uma melhor forma de armazenar as armas. Em São Paulo, foi iniciado um projeto-piloto para que a PM passasse a guardar o armamento que está sob a responsabilidade da Justiça. Em Pernambuco, foi criado um órgão para centralizar a guarda das armas.Essas iniciativas, porém, resolvem apenas parte do problema. A forma de se armazenar melhora, mas o encaminhamento para a destruição continua lento. Em Pernambuco, por exemplo, esse órgão que deveria centralizar o armazenamento, o Niaf/Core, já está superlotado. E as armas voltaram a ser estocadas em outros locais. Em 2012, a Justiça de São Paulo fez um mutirão para que armas estocadas fossem destruídas. Essa iniciativa é importante, especialmente em cidades onde o estoque é muito grande, como Recife ou Campo Grande. Os juízes precisam tratar a questão da estocagem de armas como uma questão de segurança pública.