ANTONIO CONTENTE

Breves divagações sobre retratos

27/05/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 14:45

Aí está bom tema para a divagação do cronista, retratos. Pensei nisso há dias, não a relembrar que o substantivo masculino vem do italiano, “ritratto”. Mas sim porque vi, numa das páginas deste Correio, a coloridíssima imagem da presidente Dilma a receber, das mãos do ditador venezuelano Nicolau Maduro, a foto do desencarnado Hugo Chávez. Que certamente que ainda deve estar a prestar contas nos tribunais cantados por Dante, dos inumeráveis malfeitos que obrou.

Mas vejam que o tema “retratos” oferece vastos caminhos para navegações. Que vão desde a singela exclamação que muitos meninos já escutaram (“Meu Deus, mas é o retrato do pai!), até a cultíssima lembrança de que a palavra aparece nos títulos de algumas obras primas da literatura universal, como “O Retrato do Artista Quando Jovem”, de James Joyce; ou “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde.

Retrato, dicionarizado, é apenas a representação de pessoa real em desenho, pintura, gravura ou fotografia. Mas já que acima recordamos o substantivo no título de dois livros importantes, vale recordar que a palavra, sozinha, está escrita na capa de destacado trabalho publicado em 1962 pelo jornalista brasileiro Osvaldo Peralva. Que foi vistoso membro do Partido Comunista, mas, após passar temporada na então União Soviética (falava russo fluentemente), voltou de lá desiludido com os crimes do stalinismo e escreveu “O Retrato”.

A partir daí acabou execrado pela turma da esquerda que dominava a mídia e, mesmo tendo trabalhado nos mais importantes jornais brasileiros como 'Última Hora', 'Correio da Manhã'  e  'Folha de S. Paulo'  (foi correspondente em Tóquio e Praga), morreu praticamente esquecido, aos 76 anos, no Rio de Janeiro, em 1992.

Na minha época de repórter policial em São Paulo, no começo da carreira, ouvi pela primeira vez a expressão “retrato falado”. Que ainda hoje o pessoal da Polícia Técnica usa, só que agora feito com as técnicas da computação gráfica. Mas nos heroicos tempos dos anos 60, era na base da ponta do lápis mesmo, e pude constatar que a coisa funcionava.

Ocorreu quando acompanhei, pela Última Hora, a cobertura de um crime passional cometido numa casa de mulheres na chamada Boca do Lixo. Um camarada, vazado de paixão e ciúmes por bela marafona, estrangulou-a e sumiu. Mas como fora visto por muitas outras meninas, convocaram-nas para a elaboração do “retrato falado”. Traçado por mocinho no Pátio do Colégio, onde funcionava uma espécie de Central de Polícia. Pois a partir de tal, se assim podemos chamar, obra, os investigadores saíram à caça, prendendo o assassino na Estrada do M’Boi Mirim. Na tarde da apresentação à imprensa, tomei um susto com a perfeição do desenho do artista rapazola. Caso o bandido tivesse posado, o quadro não sairia mais perfeito.

Aqui em Campinas, apesar de não ser sua especialidade, os retratos mais espetaculares que vi de algumas socialites que saiam na coluna do falecido colunista social Jamil Abrahão, no 'Diário do Povo', foram feitos pelo famoso repórter fotográfico Neldo Cantanti. Uma das moças, talvez a mais estrelada, foi clicada com tal esmero, em preto e branco, que, mesmo sem conhecê-la pessoalmente, pedi uma cópia ao meu colega e mandei enquadrar. Tenho a maravilha até hoje na bibliotecazinha que mantenho em minha palafita na Ilha da foz do rio Amazonas onde de vez em quando me escondo.

Sim, comecei este texto falando do retrato que a presidente Dilma recebeu do ditador venezuelano Nicolau Maduro. Trata-se de reprodução grandona, em vivo colorido, da face do desencarnado Hugo Chavez. Francamente, como em cabeça de sobas políticos não dá pra entrar, credito apenas ao natural temperamento brega de tal cidadão, hoje no comando da pobre Venezuela, presentear a nossa chefe de Estado e de Governo com um troço daqueles.

Francamente, tenho me perguntado onde a doutora Dilma poderá entronizar a face do coronel. Na cabeceira da sua cama certamente não cabe, pois lá já está, no meio da parede, luzidia imagem de Lula ladeada, à esquerda e direita, pelas caratonhas de Fidel e Guevara; nenhum passível de ser confundido com Dimas, pois, cercando a quem cercam, ambos têm identidades com Gestas... Naturalmente que, para a presidente da República, é difícil sugerir algo. Mas, se eu fosse ela, tascaria o emoldurado bolivariano para decorar a cela à qual o mensaleiro Zé Dirceu logo será recolhido.

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