iG - Fabiana Bonilha (Cedoc/RAC)
Para os cegos, o braile é um código de leitura e escrita que possibilita acesso ao conhecimento. Ele é um valioso meio de comunicação que satisfaz a mente e a alma. O braile, para nós, é simples, lógico, claro e transparente. Não há nada de errado com este código, que é perfeitamente compatível com o tato, e que por isso foi consagrado como um sistema de leitura e escrita por excelência! Toda vez que temos a oportunidade de ler em braile, nos sentimos confortados e nos achamos verdadeiramente em nosso mundo. O braile nos causa uma maravilhosa sensação de familiaridade e pertença. Ele é, enfim, um dos preciosos tesouros de que dispomos. Para quem enxerga, entretanto, a realidade é bem outra. Na visão deles, braile é sinônimo de complicação. Com frequência, eles dizem que ler e escrever em braile é extremamente difícil, inviável e por vezes quase sobrenatural. Eles costumam ficar admirados quando nos vêem lendo com as duas mãos ao mesmo tempo e quando lemos com a mesma fluência e rapidez com que eles lêem em tinta. Ao verem o volume dos livros em braile, três vezes maior do que o volume das encadernações em tinta, os videntes pensam que nosso esforço para ler é proporcional ao tamanho dos livros! Eles não se dão conta de que, embora os livros sejam mais volumosos, o conteúdo é exatamente igual ao dos livros impressos sem relevo, e, exceto pela dificuldade de carregá-los, o trabalho de leitura é idêntico. Mas mesmo assim, aqueles que enxergam acreditam que os cegos lêem em braile apenas porque ainda não foi criado nada melhor, e então supõe que as novas tecnologias possam vir a introduzir novos códigos de leitura e escrita. É justamente este argumento que nós, cegos, precisamos combater com veemência. Necessitamos fazer os videntes compreenderem que eles consideram o braile difícil por vê-lo a partir do olhar de quem enxerga, e não à luz do referencial de quem é cego. Na mesma perspectiva, nós cegos precisamos contribuir para que o braile não se distancie de sua essência. O braile, como um sistema tátil, deve ter um relevo adequado, um tamanho definido para os caracteres, uma forma própria e correta de se apresentar. No sentido de tornar o braile visualmente mais aceitável, frequentemente os que enxergam criam formas alternativas de apresentação deste sistema. Tem surgido, sobretudo hoje em dia, livros didáticos, livros infanto-juvenis e alguns folders de divulgação, confeccionados em braile com um aspecto colorido, fazendo-se uso de diferentes materiais e texturas. Estas inovações de impressão tornam a publicação atraente para os olhos, mas nem sempre atraente para as mãos. Nós que somos cegos devemos sim estimular que a criatividade esteja presente na produção em braile, contribuindo para que a ela se agreguem novos recursos estéticos e artísticos. Mas nenhuma produção pode ser concebida com base na percepção de quem enxerga, sem a aprovação daqueles para quem o braile realmente se destina. A manutenção e continuidade do nosso sistema de leitura e escrita depende, de certa forma, deste diálogo com quem enxerga. Afinal, eles também influenciam este processo. É nosso papel, enquanto pessoas com deficiência visual, leitores nativos deste sistema, dar a quem enxerga o suporte adequado, e é papel dos videntes, sempre nos ouvirem e levarem em conta nossas necessidades. *Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela UNICAMP, psicóloga, é cega congênita, e escreve semanalmente no E-Braille. E-mail: [email protected]