AQUILES REIS

Belezas redescobertas

Só agora vem a público uma parte incomum do repertório de câmara de Nivaldo Ornelas

Aquiles Rique Reis
07/06/2016 às 20:18.
Atualizado em 23/04/2022 às 00:05

Capitaneada pelo flautista, saxofonista e arranjador David Ganc, só agora vem a público uma parte incomum (pelo inesperado de revelar peças pouco conhecidas) do repertório de câmara composto por um instrumentista popular Nivaldo Ornelas — ele também um saxofonista, flautista e arranjador. Graças a David Ganc, a face erudita da música de Nivaldo Ornelas volta à baila para quem quiser conferir. O álbum 'Noturno - David Ganc' interpreta a música de câmara de Nivaldo Ornelas (Mills Records) é uma pedra preciosa lapidada por pedreiros de ofício, a quem foi dada a missão de revelar suas minúcias e disponibilizá-la aos ouvidos ávidos por perceber belezas incomuns. Participante do Clube da Esquina, Ornelas gravou e tocou com meio mundo da MPB. A todos emprestou seu sopro diferenciado, sua improvisação magnética, seu suingue brasileiro. Suingue nascido aqui e que o Brasil escuta... bem, é verdade que nem sempre aqui se ouve, mas que aqui brota e aqui sempre brotará. O CD tem 20 faixas divididas em cinco movimentos e uma faixa bônus. Além das flautas e dos saxofones de Ganc e do piano de Maria Teresa Madeira, presentes em todo o trabalho, o disco conta ainda com o violoncelo de Iura Ranevsky, o contrabaixo acústico de Zeca Assumpção e a percussão de Mingo Araújo, cada qual participando de uma faixa. O piano de Maria Teresa costurou a teia e evoluiu na trama das composições de Nivaldo Ornelas. Por suas mãos, o universo camerístico do autor flui enriquecido. Os sopros de Ganc aceitaram o desafio de ser popular e erudito no mesmo compasso, sem distinção de gênero, pois música é como o amor: seja lá do jeito que for, tocar e amar sempre valerá. Abrindo a tampa, sax e piano interpretam 'Variações para Flauta e Piano', composição com introdução e três movimentos: é como se os dois instrumentos descortinassem a paisagem bucólica vista de uma janela. Com arpejos, os dois saúdam o deslumbramento do amanhecer. E o que era romantismo se torna contemporâneo. O primeiro movimento começa com os instrumentos num belo uníssono. Logo se separam. Cada um segue seu caminho: uma estrada de inusual beleza, quando o tema melódico volta a ser ouvido. Tudo muito delicado. Muito rico. A melodia vem agora saltitante. A seguir, abrindo o segundo movimento, cabe ao piano, arrítmico, solar a melodia. Logo o duo com o sax é retomado — momento de sublime beleza. Com a emoção na ponta dos dedos, cabe ao piano abrir o terceiro movimento. E a flauta chega, trazendo em seu sopro uma atmosfera campesina. Juntos, com o piano tocando uma nota como pedal, iniciam um crescendo que deságua em desenhos rítmicos e melódicos. A harmonia pega a melodia pela mão e, alegres, brincam, a flauta com trinados, o piano com acordes... Fim. Desnudando as atitudes melódicas, harmônicas e rítmicas da obra camerística de Nivaldo Ornelas, David Ganc traz à tona a música liberta, corajosa e audaciosa de um músico e compositor tão popular quanto erudito.

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