CECÍLIO

BBB, Mulheres Ricas, quejandos...

Cecílio Elias Netto
01/03/2013 às 05:03.
Atualizado em 26/04/2022 às 02:41
ig-cecílio (AAN)

ig-cecílio (AAN)

Aos meus ainda imaturos 14 anos, em 1954, recebi uma das mais preciosas lições de vida. Dura, rude, mas preciosa. Estávamos no antigo quarto ano ginasial e a minha seria a primeira turma a se formar pelo então novíssimo colégio salesiano de minha cidade. A festa era aguardada por familiares, pela sociedade em geral, por autoridades. Pois era a consolidação da presença salesiana em Piracicaba.

Para meu orgulho e vaidade juvenis, os coleguinhas me elegeram para ser o orador da turma. A vaidade e o orgulho, no entanto, misturaram-se ao pânico. Pois eu estava traumatizado por um fracasso terrível, um fantasma em minha vida de adolescente. Num grupo teatral do colégio, havia uma peça bobinha em que os atores declamavam um trechinho de poesia, de trova. O meu era simples, bonito e, até hoje, lembro-me dele: “Deus, palavra mais bela que existe/. Mas se um A lha antecede/Torna-se logo a mais triste.”

Apenas isso: Deus e adeus. Mas fiquei paralisado, mudo, sem lembrar-me de nada. Imobilizei-me diante do silêncio absoluto que se fez no salão. Com vergonha e abalado, tive certeza de jamais voltar a falar em público. Daí o porquê de meu pânico ao ser escolhido o orador da turma.

Aceitei o desafio e levei diversos dias tecendo o discurso. Para mim, era uma obra literária e eu me via como um Cícero, um Ruy, arrebatando o público. Era preciso, porém, submeter o discurso à aprovação do chamado Padre Conselheiro, uma figura hamletiana, fria e distante, mas de cultura contagiante. Entreguei o papelório ao orientador. E esperei por sua aprovação. Mas os dias se passavam e ele não me dava respostas. Aproximava-se a formatura e meu discurso não me era devolvido.

Fui ao encontro do Conselheiro, perguntando-lhe do discurso. Ele apanhou da mesa os meus escritos e bradou: “Isso, um discurso?” E jogou-o no cesto do lixo. “Está no lugar onde merece”, falou. E senti ódio, ódio terrível, vontade de matá-lo. Não apanhei o trabalho, dei-lhe as costas mas, antes de eu sair, ele me falou: “Nunca se esqueça: quando você escrever ou falar em público, lembre-se de que sempre haverá alguém mais inteligente do que você”.

Elaborei outro texto, com raiva e indignação. Eu precisava provar a mim mesmo, e ao miserável Conselheiro, que meu discurso teria valor. O conselho martelava-me o cérebro: “Quando escrever ou falar em público, lembre-se de que sempre haverá alguém mais inteligente do que você”. Na noite da formatura — sem mostrar o discurso ao Conselheiro — falei, arrebatado, o coração explodindo. Foi um sucesso. E, cinicamente, o padre me falou, ao depois: “Eu sabia que você conseguiria”.

Se ele sabia, não avaliou poderia ter-me destruído. Mas a lição valeu, vale até hoje. Pois, quando falo ou escrevo — ainda mais quando escrevo — penso naqueles mais inteligentes do que eu, que sabem mais do que eu. E tenho cuidados, quase sempre agoniado com as palavras, com conceitos. Mas por que tais considerações? Acontece que decidi ver, observar alguns programas de televisão que, tendo sucesso, me deixam perplexo. Refiro-me, em especial, ao "BBB" e ao "Mulheres Ricas". Comecei a vê-los com atenção maior, com observação mais aguda. E me dei conta de sermos vítimas de um processo de idiotização e de imbecilização através de veículos de comunicação de massa, instrumentos da indústria cultural. Eles tratam os telespectadores como debiloides, sem imaginar possa haver alguém mais inteligente e com mais agudo senso de ridículo do que eles. São idiotas escrevendo para idiotas ou são inteligentes inescrupulosos tratando o povo como massa de débeis mentais?

Com tais programas imbecilizando os brasileiros, perdi o receio de que o jornalismo impresso desapareça. Isso não acontecerá se jornalistas retornarem, urgentemente, à sua responsabilidade missionária de informar formando. Jornais sobreviverão — nem que com reduzidos leitores — se, respeitosamente, admitirem haja um público mais inteligente, sagaz, mais culto do que se avalia. A Revolução Francesa aconteceu a partir de folhetos de protestos e de questionamentos. A República brasileira e a libertação dos escravos se deveram a um início tímido de jornaizinhos com ideias e ideais.

Veículos de massa, empresas de televisão que conseguem — com programas como "BBB", "Mulheres Ricas" — empolgar multidões, são instrumentos perigosos para um propósito maior e mais perverso: a imbecilização do povo, tornando-o dócil, emburrecido, para ser instrumentalizado. Conduzir burros amansados é mais fácil do que dominar cavalos fogosos, potros sanguíneos.

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