Sinto-me uma construção feita por outros. O eu verdadeiro ficou à espera de si próprio
Estou próximo de convencer-me a mim mesmo, em definitivo, de ter vivido equívocos. É como se quase nada fosse verdadeiro. Ou, então, que vivi a vida alheia, a que me foi imposta, mesmo quando acreditei tudo fazer por minha própria iniciativa. Assim, melancolicamente, começo a admitir: “eu não fui eu.” Sinto-me uma construção feita por outros. O eu verdadeiro ficou à espera de si próprio. Eu à espera de mim — seria, lá, isso possível? Acho que sim. Fui dos meus pais, dos meus irmãos, de minha família. Fui de meus professores e mestres, de orientadores. Fui de ideologias, de convicções, de certezas que se acabaram. Onde fiquei? Fui de minha mulher, de meus filhos. E continuo sendo deles. Não mais consegui viver para mim e por mim mesmo. Dou-me conta, assim, de eu — muito mais do que ser — apenas ter sido, estar sendo. Que rei sou eu? Como, pois, falar em vontade própria, em livre arbítrio, em liberdade, em singularidade, se não passo de um prisioneiro em tantas jaulas sentimentais, emocionais? Quem foi que disse de minha liberdade pessoal, de eu poder fazer o que bem entender desde que responda por meus atos? Basta-me lembrar de familiares para sentir o peso das limitações, o espaço de minhas prisões. “Isso é ser responsável perante os seus queridos” — ouço alguém sussurrando-me. É óbvio tratar-se disso, mas seria, tal responsabilidade, natural ou imposta? Deixemos para lá... Atualmente, quando me falam de democracia, de valores democráticos sinto engulhos. Que democracia estamos vivendo, quais os tais valores democráticos, se realmente existirem? Vejo-me, novamente, diante de equívocos, de ficções, de artifícios. O mundo explode em chamas. E, na verdade, estamos em plena guerra mundial, conforme o próprio Papa Francisco já proclamou. Não vê quem não quer ver. Ou quem não mais o consegue, pois tantos são os sofismas, as meias verdades, falácias, mentiras que se perdeu o senso do real. Aliás, qual, atualmente, a diferença entre virtual e real? Cansei-me de meus próprios equívocos e deixo-me seduzir por um ficar à margem permanentemente. Para poder, então, saber — de mim para mim próprio — quem realmente sou e não aquele em que me tornei. Ou em que fui transformado. Ora, há mais de 400 anos Copérnico nos provou girar, a Terra, em torno do Sol. Mas, até hoje, falamos que o Sol se põe e que o Sol se levanta; que o Sol nasce e que o Sol morre diariamente. Continuamos, pois, absolutamente egocêntricos, geocêntricos, donos do universo, do mundo, pretensiosos conquistadores de planetas e de estrelas. E aguardando o nascer e morrer do Sol... Não acreditamos verdadeiramente em Deus, num deus. Mas os invocamos a cada necessidade e, até mesmo, por simples hábito. Que Deus nos ajude, que os deuses resolvam, que os céus decidam por nós e que os infernos devorem nossos inimigos. E olhamos para o alto ao nos referirmos a céu; e, para baixo, ao dizer de inferno, esquecidos de que a Terra gira e que o alto e o baixo variam de hora em hora. Se no nosso cotidiano vivemos de equívocos fundamentais, como entender o que acontece ao redor? Como ter esperanças num tão sonhado mundo de paz se, há milênios, nada mais fazemos do que nos matarmos uns aos outros? E — mais terrível ainda! — assassinando em nome de Deus. Do mesmo Deus, esse deus único de judeus, cristãos e islâmicos. A era digital deixou-nos largados no espaço. Flutuando. Sem mais certezas. À espera de uma novidade qualquer que volte a alterar-nos o rumo da vida. É um novo mundo que será aterrorizante se não revermos conceitos, se não nos despirmos de certezas que, na realidade, nada mais têm sido do que equívocos. A própria noção de tempo, já a estamos perdendo. E a relação tempo/espaço passou a ser um choque diário. Com um clique a tecla, enviarei este texto até Campinas em apenas cinco segundos. Mas os 70 quilômetros, que separam as duas cidades, continuam os mesmos. Aviões, automóveis, jatos tornaram-se — para atravessar distâncias — menos rápidos do que um simples toque num botão... Estado de direito? Eduardo Cunha ainda está aí – nesta 4ª feira — soltinho, livre. Jucá, amigo de Temer, também. E ninguém protesta diante do fato de Temer cercar-se de tantos bandidos. Não há passeatas contra tal escândalo. A denúncia de corrupção é seletiva. Ou corrupção foi apenas uma desculpa? Enquanto isso, ladrões de galinha superlotam cadeias. Cansei. Não tenho esperanças num país que precisa de placas avisando para não se jogar lixo nas ruas; para não se pisar na grama; um país que — além de avisos de velocidade — coloca lombadas e radares para fiscalizar a população. Civilizados ou numa uma barbárie democrática?