O peixe de águas geladas anda cada vez mais salgado, mas não dá para deixá-lo de fora da mesa ma semana da Páscoa
Com aquele perrengue todo que abalou a Europa recentemente, deu coceira e não resisti: vou aproveitar o mote e meter minha colher de pau nessa cumbuca. Refiro-me ao bafafá sobre a carne de cavalo que os cidadãos de lá estavam consumindo em produtos industrializados sem saber o que era.
Longe de fazer apologia ao consumo dessa carne, rejeitada pela maioria dos brasileiros por tradição católica (há séculos, é associada ao pecado pela igreja porque era comum em festas pagãs) e pela associação do animal como leal e esforçado companheiro de trabalho no campo, ela é, sim, muito boa, saudável, saborosa e tem seu comércio legalizado por aqui. Desde que o animal seja criado e abatido para esses fins, em condições sanitárias adequadas, não há problema em consumi-la.
Mas o que arrepiou os europeus não foi a carne de cavalo em si (França, Bélgica e Itália, além da Ásia, são grandes consumidores desse ingrediente), mas o fato de ela estar ali clandestina, na surdina, sem menção ou referência nas embalagens. Os compradores sentiram-se enganados, feitos de trouxa, levaram gato por lebre. Foi aí que o termômetro subiu e a jurupoca piou. Se naquela comunidade, que tem leis rígidas e fiscalização idem, algumas indústrias armaram tal cilada, imaginem o que pode rolar no nosso imenso Brasil?
Nosso código que defende o consumidor é um dos mais avançados do planeta. E ele reza que a apresentação, a embalagem e o rótulo do produto devem assegurar informações corretas, precisas e claras, em letras legíveis e bom português, sobre características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade, origem e os riscos que o mesmo apresenta à saúde do cidadão. Mas, na prática, não é bem assim. Muitas embalagens no mercado trazem informações que a maior parte das pessoas comuns nem imagina o que significa, mas omitem dados elementares, funcionais.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autarquia que atua em segmentos relacionados a produtos e serviços que influenciam a saúde da população, é a responsável por fazer o meio de campo entre indústria, comércio e consumidor, regulamentando e fiscalizando. Enfim, é ela que coloca ordem na gafieira, pois tem a responsabilidade de conferir desde a produção até o produto final. A fiscalização dá lá seus pulinhos, mas é bamba e coleciona deslizes. A peteca nem sempre fica no ar e se espatifa no colo do cidadão.
A peça fundamental para essa engrenagem funcionar bem é o consumidor. Por ora, quem faz a diferença somos nós, que colocamos a mão no bolso. Então, não se avexe, porque é um direito constituído: desconfiou que está sendo enganado, bote a boca no trombone e faça barulho. Porque tem muita gente por aí que adora trapacear e levar vantagem. Já para as panelas!
Receitas de chef
São práticas comuns entre os chefs ir pessoalmente às compras e visitar os fornecedores para abastecer suas despensas e geladeiras. É uma parte saudável e prazerosa do serviço conhecer o campo e ver onde e como são cultivadas as hortaliças e criados o cordeiro, o pato e o porco, além de checar in loco, nas feiras livres e nos mercados, legumes e verduras, ervas e especiarias, peixes e carnes.
Quando se trata de produtos industrializados ou manufaturados, os cozinheiros fazem exaustivos testes em suas panelas para confrontar a qualidade com as promessas elencadas pelo fabricante. Afinal, os famosos restaurantes têm seus nomes ancorados no prestígio e na capacidade de seus chefs e qualquer deslize cairá sobre os ombros deles de maneira desastrosa.
Já nós, simples mortais, pouco tempo temos para isso, mas não deixa de ser um bom hábito conferir minuciosamente, muitas vezes questionando o feirante e o fornecedor, sobre a origem e a qualidade do que estamos comprando na feira ou no açougue. O mesmo procedimento deve ser tomado com produtos industrializados, principalmente, aqueles que vêm em embalagens opacas, como tetra pak e latas, que obstruem o acesso visual ao conteúdo. Nesse caso, toda a atenção com o que diz a embalagem é pouca.
E viva a ocasião!
Há muito tempo, o bacalhau, para a grande maioria dos brasileiros, ganhou status de prato para ocasiões. O bicho tem ficado raro nos mares e caro nos supermercados. Assim, sugiro que nesta data especial que convoca à mesa uma das receitas mais emblemáticas da gastronomia portuguesa, a tradição seja respeitada. É a oportunidade (ou o pretexto) que muitos têm para saborear o peixe.
Por mais criativos que sejamos buscando alternativas para nossa mesa, um tenderzinho no Natal e um leitãozinho no réveillon não fazem mal a ninguém. E, afinal, quem aí não gosta de um bom bacalhau na Sexta-Feira Santa? Para fazer uma elogiada bacalhoada não é necessário comprar aqueles lombos enormes e caríssimos de Porto Imperial. Conseguimos bons resultados com um pedaço de bacalhau do Porto, um generoso naco de ling e até de saithe.
Hoje temos uma receita bastante apreciada em Portugal que, deixo claro, pode sofrer pequenas alterações dependendo da região onde é preparada. Vamos lá!
BACALHAU COM NATAS
INGREDIENTES
(para 8 pessoas)
1,2 kg de bacalhau a granel, salgado, cortado em postas largas
300g de batatas cortadas em cubinhos, cozidas e depois fritas em óleo
2 cebolas médias em rodelas finas
2 dentes de alho finamente picados
1 colher (sopa) de manteiga sem sal
80ml de azeite extravirgem
2 xícaras (chá) de molho bechamel
400g (duas caixinhas) de creme de leite
2 colheres (sopa) de cheiro-verde, fresquinho e picadinho
12 ou mais azeitonas pretas
Parmesão ralado ou farinha de rosca o quanto baste
Sal e pimenta-do-reino moída na hora
AO TRABALHO
Dependendo da altura do bacalhau, deixo de molho em água gelada por 16 a 24 horas, trocando a água algumas vezes. Escorro bem e desfio o peixe em lascas não muito miúdas, descartando ossos e espinhas. Numa frigideira larga e espaçosa, em fogo médio, douro a cebola e o alho com a manteiga e metade do azeite. Aumento o fogo e junto o bacalhau e o cheiro-verde e permito que frite por oito a dez minutos. Acomodo o bacalhau num refratário grande e, por cima, distribuo os cubinhos de batatas fritos, sem excesso de gordura, e rego com o restante do azeite. Em uma vasilha à parte, agrego bem o bechamel ao creme de leite, confiro o sal de tudo, salpico um tico de pimenta e distribuo o molho por cima do peixe no refratário. Por cima, coloco uma azeitona aqui e outra acolá, salpico queijo ralado ou farinha de rosca e levo ao forno médio, preaquecido, por 30 minutos ou até que fique gratinado, com uma casquinha bem crocante. Sirvo com arroz branco e salada verde.