ana salvagni

Averiguações para o Ano Novo

07/01/2021 às 08:26.
Atualizado em 22/03/2022 às 13:45

Ana Salvagni é cantora, regente e poeta (Divulgação)

O início quer entusiasmo; a necessidade, pressa.

A repetição quer o acaso; e o descaso, a devoção.

A pele quer sol; os pés, um caminho; o beijo, um cantinho.

O verbo quer atino, a arte, o espanto; a voz, o canto.

O querer pede destino; a alma, o encanto; a calma, desatino.

O desastre quer fuga; a fuga quer um sofá e uma televisão.

A incerteza pede adiamento; a certeza carece urgentemente da dúvida.

A Natureza pede paz; a criança, vigilância; o alvoroço, a aurora.

A rua quer sossego, mesmo que sirva a acelerações.

A casa quer movimento, mesmo por entre os pesados móveis.

A cama quer histórias; o deslize, um véu; o papel, memórias.

O escuro quer sonho; o medo quer o dia; a raiva, a clareza.

A mesa pede decisões; o instante, a percepção; a música, conexões.

A vida quer tempero; o tomate, a erva-doce; o trabalho, mais sabor.

O sofrer pede frescor; a dor, um afago; a febre, um cobertor.

A cantina quer a fome; as taças, os amigos; as facas, o fio.

O frio pede providências, caldos e saudades velhas.

Os nós querem o pente; o ausente somos nós.

A cor pede matéria; o corpo, superfície.

A pedra pede luz; a luz, a extensa escuridão.

A glória pede um pão com manteiga; a insuficiência pede livros.

O tédio quer baralho; o jogo, paciência.

O pensamento quer ruptura; o estreitamento, imaginação.

A semente quer acolhimento; o encolhimento, a alegria.

O ódio quer sutura; a repressão, a orgia.

A utopia quer uma ilha; a inação, a folia.

A derrota quer a consolação; o desasseio, a pia.

O despropósito pede contenção; o vazio, contemplação.

A tarde pede cansaço; o embaraço, um sorriso.

A tolice quer o esquecimento; o problema, a ciência.

O impasse pede intuição; a distração, essência.

A poesia quer o mar aberto; a soberba luz, uma cortina.

O sangue quer passar, a seiva quer passar.

O tempo faz brotar e apodrecer. O tempo.

Uma árvore quer terra, busca a água e se espreguiça pelos ares.

Uma árvore comunga a terra, purifica o ar e traz a água.

A transição quer fogo; a chama, oração.

A palavra quer tudo; a mentira quer a verdade.

Mas a verdade não precisa da palavra.

A verdade existe além e apesar da palavra.

A verdade existe.

Ana Salvagni é cantora, regente e poeta

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