A aquisição de uma deficiência, congênita ou não, representa uma oportunidade que recebemos para desenvolvermos ao máximo nosso potencial. Por mais contraditória que pareça esta afirmação, é assim que, em face da condição humana, se estrutura a dinâmica do nosso aprendizado.
Possuir uma deficiência não significa estar condenado a viver deficientemente. Pelo contrário, a deficiência abre caminho para que brotem, dela mesma, todos os recursos de que necessitamos em prol do nosso sucesso e da nossa produtividade.
Da deficiência visual, por exemplo, se originam muitos destes dons, mas dela surge sobretudo uma grande tendência para atenção e para a descoberta.
Quem não enxerga com os olhos necessita desenvolver fundamentalmente uma atenção constante a tudo o que está em volta. Aprendemos, em nosso dia-a-dia, a estarmos atentos a cada coisa e aos significados que a elas atribuímos, de modo que nos sirvamos destas informações para podermos ver melhor.
Ao fazermos um percurso em que desejamos sair de um prédio,, por exemplo, nós que não enxergamos somos incapazes de ver de longe onde está a porta de saída, mas podemos com facilidade perceber sutilmente que o vento se faz sentir naquela direção. Então, orientados pela sensação do vento, não erramos o caminho, e tranquilamente nos conduzimos para fora do edifício.
Na mesma perspectiva, ao conversarmos com alguém, não podemos ver os gestos ou as expressões faciais desta pessoa, mas podemos perceber sutilezas em sua voz, que nos revelam suas emoções e seu estado de espírito. Pela via da atenção, desenvolvemos a empatia por quem está ao nosso lado, e conseguimos nos colocar no lugardo outro. Estando atentos, podemos realizar, mesmo sem ver com os olhos, aquela profunda troca de olhares que é tão típica de todo encontro!
Em um lugar mais cheio e movimentado, como em uma festa ou reunião, nossa atenção se torna ainda mais ativa, pois, em meio a uma variedade de estímulos concomitantes, precisamos captar e selecionar as informações que nos permitam participar de todos os momentos de convívio.
Do mesmo modo, ao lermos um texto no computador, utilizando um software leitor de telas, precisamos focar nossa atenção na essência e no sentido de suas i´deias, destacando em nossa mente o que seja mais importante. É como se, após ouvirmos a voz do programa, fizéssemos internamente uma segunda leitura do texto, de modo que a voz do nosso pensamento nos ajude a compreendê-lo e a organizá-lo.
Para viver neste mundo, uma pessoa com deficiência visual precisa ser essencialmente atenta. Nossa condição requer que naturalmente estejamos sempre aprimorando esta habilidade De prestar atenção, e este aprimoramento aperfeiçoa nossa possibilidade de realizarmos inúmeras descobertas. As pessoas atentas podem contemplar detalhes e minúcias que por vezes passam desapercebidas pelos outros cuja atenção seja mais pulverizada. Portanto, todos, tendo deficiência visual ou não, são convidados a buscarem uma atenção mais concentrada, para que possam, principalmente, observar todas as maravilhas que nos rodeiam e que estão à nossa disposição.
*Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela UNICAMP, psicóloga, é cega congênita, e escreve semanalmente no E-Braille. E-mail: [email protected]