GAUDÊNCIO TORQUATO

Até que enfim, o Bolsa-cabeça

Gaudêncio Torquato
05/07/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:50

A tolerância chegou ao limite. O copo da velha política transbordou. Chega de aceitar a banalização do mal, estampada na fila de representantes que pouco representam e governantes que não praticam a governança. Velhos presentes continuarão a ser bem-aceitos, principalmente aqueles que se destinam a saciar a fome. Exemplo é o bolsa-barriga, fruto do programa que abastece o estômago de 40 milhões de pessoas.A mensagem principal é que o ronco da barriga subiu à cachola, abrindo um ciclo de novas percepções. A sociedade clama agora por uma bolsa-cabeça. Essa é a notícia alvissareira que se extrai da movimentação de massas. Fica patente que barriga satisfeita pode até sustar a indignação por um tempo. Não, porém, por todo o tempo. A inteireza do corpo social requer também uma cabeça capaz de racionalizar, avaliar, exigir, cobrar, portanto, pronta para reescrever sua história.Afloram agora as demandas nas áreas de saúde, educação, transporte e segurança. Por que só agora, se as reivindicações são tão antigas? Há explicações. A travessia de uma nação obedece a um processo que envolve grandes movimentos de massa, com efeitos absorvidos por instituições ou revoluções que acabam rompendo a velha ordem. Avanços sem rupturas ocorrem de maneira lenta e gradual, particularmente no seio de democracias consolidadas. Instituições fortes não desmoronam ante os rebuliços. Nossa democracia é incipiente. O país dispõe da mais democrática Constituição de sua história, plasmada para acolher uma visão plural da sociedade. Mesmo assim, a caminhada brasileira depara-se com muitos desvios. Há buracos ainda não preenchidos pela legislação infraconstitucional, ensejando situações que empurram a Corte Suprema para a esfera política.Difunde-se a expressão de que as tensões entre Executivo, Legislativo e Judiciário, decorrentes de interpenetração de funções, são normais e não ameaçam a normalidade democrática. Seria até sinal de vitalidade. Não há como negar que a mania de esconder o clima tenso faz parte da nossa cultura de contemporização. A mania de postergar soluções para os problemas, de enfiar a sujeira por baixo do tapete, de não cumprir promessas feitas, toda essa colcha de retalhos malcosturados explica as manifestações populares. A esfera política se distanciou das ruas. Se o governo federal não registrou sinais de sismo, é porque entendia que a harmonia social estaria preservada pelos bolsões de “barriga cheia”. A explosão pegou de surpresa governos e representantes. E, por um desses milagres, projetos mofando há tempos nas gavetas emergem e entram na planilha das decisões. Em menos de uma semana, o Brasil dá um salto. Nunca em tão pouco tempo, as casas congressuais foram tão produtivas.O fato é que o país real começa a ser desenhado. Se não houver respostas, é arriscado garantir que tudo continuará como antes. Que se apresentem logo saídas largas para o clamor das ruas. Sob pena de ouvirmos o cochicho de Hobbes: “quando nada mais se apresenta, o trunfo é paus”.

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