No último dia 15 de março ocorreu o sétimo aniversário do conflito na Síria, uma tragédia humana gigantesca e que não dá sinais de terminar. O conflito teve início em 2011 e refletia a insatisfação da população dos países árabes com seus governantes, no movimento conhecido como “primavera árabe”. A “primavera árabe” é como ficou conhecida a onda de manifestações e protestos que ocorrera no norte da África e Oriente Médio a partir de dezembro de 2010. Depois de ocorrerem na Tunísia, Egito e ter-se iniciado uma rebelião na Líbia, os protestos chegaram à Síria em março de 2011 com manifestações contra o presidente sírio Bashar El Assad na cidade de Deraa, no sul do país. Teve início com a prisão e tortura de alguns adolescentes que pintavam na parede de sua escola a frase “é sua vez doutor”, numa alusão ao presidente Assad que é oftalmologista. As forças de segurança sírias mataram manifestantes, nos primeiros protestos que então se espalharam por todo o país, mobilizando centenas de milhares de sírios que pediam nas ruas a saída de Assad, por reformas políticas e o fim da brutalidade policial. Em resposta ao avanço da violência grupos armados de oposição se juntaram a desertores do exército, formando o Exército Livre da Síria (ELS). A partir daí se radicalizaram as posições das forças em luta, intervieram grupos jihadistas, potencias regionais e internacionais que aumentaram a complexidade do conflito e lhe impuseram uma dinâmica onde a diplomacia deu lugar ao ódio, a ambições e interesses conflitantes. Após sete anos, há um novo equilíbrio de forças que se consolidou nos últimos meses a favor de Assad e seus aliados russos, iranianos e o hezbollah libanês O novo cenário envolve a abertura de novas frentes que envolvem potencias globais e regionais que buscam proteger seus interesses na nova ordem síria. Os russos, em apenas cinco anos, recuperaram sua influência numa região que é fundamental na sua política internacional pois abriga sua única base naval no mediterrâneo. O apoio militar russo foi essencial para que o governo de Assad passasse à ofensiva e recuperasse território que havia perdido. O iranianos recuperaram sua influência geoestratégica no Oriente Médio consolidando seu poder numa rota que abre caminho até Israel e consequentemente, abrindo a possibilidade de confronto direto entre tropas do país persa acantonadas na Síria e soldados de Israel. Recentemente, no dia 10 de fevereiro, houve um incidente envolvendo essas duas forças quando um drone do Irã foi abatido em solo israelense, Israel revidou bombardeando tropas iranianas e sírias resultando na perda de um caça F-16 abatido em solo sírio. Esse é o primeiro avião que Israel perde em combate desde 1982. O Hezbollah xiita, desde o primeiro momento apoiou o regime sírio enviando tropas em apoio ao ditador e durante estes anos de guerra multiplicou seu potencial bélico e consolidou seu poder político no Líbano. Tornou-se uma séria ameaça a Israel na fronteira norte ao possuir agora um arsenal de modernos mísseis de curto e médio alcance fornecidos pelo Irã através do corredor formado pelos governos aliados do Iraque e Síria. Até o momento, os Estados Islâmicos sunitas, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar são os maiores perdedores do conflito, pois durante esses anos de guerra adquiriram armamentos e os repassaram aos grupos jihadistas na Síria, entre os quais se incluem o Estado Islâmico, a Al-Qaeda e a Frente al-Nusra, entre outros. Esses grupos estão sendo derrotados e cada vez mais isolados dentro do país e sofrem os mais violentos ataques do regime sírio. Estima-se que hoje os jihadistas controlem somente 3% do território sírio. Uma nova frente de batalha foi aberta recentemente no noroeste da Siria, com a invasão turca no enclave de Afrin, para combater os curdos a quem Ancara considera terroristas e teme que aumentem sua influência na fronteira. No dia 18 de fevereiro as tropas turcas expulsaram os curdos da cidade principal e hastearam sua bandeira, juntamente com forças rebeldes sírias. Nos confrontos que antecederam a tomada de território pelos turcos, as tropas sírias combateram a favor dos curdos contra a invasão turca, abrindo uma nova frente de conflito com a Turquia, que até então não havia ingressado ativamente no conflito. Os curdos foram a principal força de oposição ao Estado Islâmico e adquiriram considerável poderio militar ao se unificarem e contarem com o apoio dos Estados Unidos. Atualmente controlam todo o nordeste da Síria e, se a situação persistir, devem buscar a integração com o Estado sírio gozando de maior autonomia no território que controlam. A vitória da Turquia em Efrin deve incentivar seu avanço sobre os demais territórios controlados pelos curdos, o que provocará um recrudescimento da guerra e um maior envolvimento norte-americano que possui tropas na área. Os Estados Unidos querem se manter no território curdo pois nele estão importantes poços de petróleo aos quais têm interesse. Além disso, não pretendem abrir mão da única posição que mantém no conflito sírio, o que poderia enfraquecer sua posição no Oriente Médio. No entanto, a situação norte-americana é complicada pois não pode confrontar diretamente com a Turquia, uma vez que esta integra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Um episódio recente envolvendo os norte-americanos dá medida de seu envolvimento e interesse em se manter na região. No dia 07 de fevereiro, tropas dos Estados Unidos e seus aliados curdos foram atacados perto da cidade de Deir Eizzor por combatentes leais ao regime sírio e inúmeros mercenários russos. O contra-ataque matou cem pessoas incluindo muitos russos, o que constituiu no maior confronto direto entres EUA e Rússia desde a Guerra Fria. Até então, as tropas norte-americanas só haviam entrado em confronte direto com o Estado Islâmico. O território sírio transformou-se num campo de batalha de diversos interesses e campo privilegiado da indústria armamentista que fornece material bélico para todas as partes em conflito, indistintamente, o que faz com que o Oriente Médio seja destinatário de 32% do comércio de armamento internacional, segundo dados do Instituto de Pesquisa para a Paz Internacional de Estocolmo (SIPRI, da sigla em inglês). E esses são dados obtidos a partir de fontes oficiais, o número real deve ser maior. Nesse cenário encontra-se o povo sírio que se tornou uma peça a mais de um complexo jogo de poder que envolve diversas forças que utilizam armamentos, matam inocentes e geram uma crise humanitária gigantesca, provocando a diáspora da população que se espalha pelo mundo. A guerra já causou a morte de cerca de 500mil pessoas; são 6,1 milhões deslocadas dentro do país e 5,6 milhões que buscaram refúgio no exterior. A nova configuração da guerra na Síria indica que a região continuará sendo uma das regiões mais perigosas do mundo, fonte de instabilidade global e onde diferentes conflitos – políticos, econômicos e religiosos – confluem para torná-la em importante foco de atenção para todos aqueles que buscam um mundo de paz e de tolerância.