GUSTAVO MAZZOLA

As rezas de Vó Conceição

13/11/2013 às 05:00.
Atualizado em 24/04/2022 às 22:28

Durante todo o dia é um entra e sai na casa de Vó Conceição. Mães com os filhos nos braços, pessoas simples, famílias inteiras, amigos — que retornam, às vezes, para uma simples visita —, todos acham uma horinha para dar uma passada por lá, no distante bairro São Luiz, em Valinhos. Sem pedir nada em troca, ela os ouve com atenção: um olhar firme e bondoso, um sorriso, algumas palavrinhas de carinho... e logo começa o “atendimento”.Os resultados dessas visitas são surpreendentes: uma boa reza, sinais misteriosos no rosto e nas ventas, conselhos e antevisões do futuro... e a vida começa a mudar para aquela gente necessitada.— Vó, meu filho já tem três anos, e não anda. O que eu faço?— Fique tranquila: depois de hoje ele vai melhorar, vai andar até o Natal.E o menino andou antes do fim do ano.Em datas especiais, como no dia de Nossa Senhora Aparecida, um trecho da rua onde mora Vó Conceição vira local de festa: é quando ela organiza, no grande salão perto da sua casa, um encontro de amizade: reúne ali moradores do bairro, visitantes. Em dado momento, todos rezam o terço num silêncio respeitoso, seguindo depois a esperada hora dos lanches, doces e refrigerantes. Nesse dia, famílias que conseguiram graças, voltam para agradecer, ou só para lhe dar um abraço.Acontecimentos como esses marcam situações de nossa vida, sem explicações racionais: sobrenaturais? Fazemos sobre eles suposições, hipóteses, afirmações científicas... certamente sem conclusões definitivas. São histórias incríveis: uns acreditam piamente, a outros, provocam risos zombeteiros, um puro ceticismo. Mas, que acontecem, acontecem.Minha velha tia, hoje com 92 anos, conta com lágrimas nos olhos que, um dia, “sentiu” junto a ela a presença da mãe (minha avó materna), falecida havia muitos anos. “Ela estava sentada no sofá aqui de casa, levantou-se e veio na minha direção. O odor do seu cigarro de palha, que fumava sempre, ficou no ar por muito tempo”. Em outra história, lembra o que ocorria numa fazenda vizinha onde morava na juventude: seus proprietários eram literalmente chicoteados quando as luzes se apagavam na hora de dormir. A explicação para tal fato era que essa família ficara conhecida na região, anos antes, por atos de extrema crueldade com os escravos que ali viviam.De vez em quando, lá em casa, vem à baila a história de um viajante que foi para Ribeirão Preto a serviço. À noite, sua esposa sonhou que o via caído, muito ferido, após um terrível acidente aéreo. Preocupada, ligou para o hotel onde ele se hospedava habitualmente, e ele a tranquilizou, dizendo que nada lhe acontecera. Dez anos depois, durante uma nova viagem do marido, recebeu um telefonema de Ribeirão: “ele sofreu um acidente de avião, venha para cá!” Quando chegou ao local da tragédia, deparou-se com uma cena de gelar a espinha. Era a mesma do sonho já quase esquecido, como se tivesse diante de um retrato batido no passado.Outras duas boas histórias nos conta o jornalista Odair Leitão Alonso no seu livro de memórias “Sessenta Crônicas de uma vida”, um depoimento de profundo conteúdo humano: numa delas, seu pai se despede dele ainda criança, a frente de casa, e logo volta para uma nova e emocionante despedida, no mesmo dia em que, mais tarde, chegaria a notícia da sua morte. Em outra, ele narra o aparecimento “do nada” de um jovem loiro de cabelos compridos numa prancha de surf, que salva de afogamento, ele e sua filha, quando estavam sendo “puxados” para o mar por ondas inesperadas, num passeio no litoral. “Eu queria agradecer, pagar um almoço para ele, sei lá, dar um abraço, falar se ele tinha noção do que tinha feito. Mas nada, do mesmo jeito que apareceu, ele sumiu. Não estava em lugar nenhum. Nunca mais o vi. Nada mais, nada menos que um anjo havia aparecido e minhas preces tinham sido atendidas.”Comigo mesmo já se deram sinais assim: numa destas tardes no supermercado, juro que vi meu pai, que já havia morrido fazia nove anos. Estava encostado num balcão do caixa, olhando fixamente para mim. Corri para chamar minha mulher e, quando voltamos ao local, não havia mais ninguém por ali. Teria sido uma pessoa muito parecida com ele? Como sumira assim, tão depressa?Que estranhos poderes têm essas pessoas, como Vó Conceição, de Valinhos, com suas rezas? Que mistérios rondam por aí, assombrando seus envolvidos, como minha tia, a mulher do viajante, o Odair? Eu mesmo?Ninguém sabe. Talvez nunca se venha saber mais nada sobre isso.

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