ig-antonio-contente (AAN)
Experimente. Quando estiver numa roda de cinco ou mais pessoas, pergunte quantas já foram assaltadas. E, às que não foram, se sabem de alguém que tenha passado pelo medonho evento. Pode ter certeza que vai se surpreender. Se é que alguém ainda se surpreende com as coisas acontecidas neste país onde até ladrão enfiado em xilindró possui mandato de deputado. Bom, mas o que queria dizer é que os assaltos fazem parte do nosso dia a dia. Alguns roubos se esgotam em si mesmos, os meliantes levam dinheiro ou objetos, e seja o que Deus quiser. Assaltos há, porém, que terminam tragicamente, com mortes que viram manchetes. Num terceiro grupo, por fim, agrupam-se as ações que acabam de forma surpreendente, pelo inusitado. Foi isso que aconteceu com meu amigo Jacy.Plena manhã de segunda-feira ele trafegava pela Dr. Quirino, altura do lado do prédio do Jóquei, quando encontra o empresário Pedro Porto. Após os salamaleques de praxe para a ocasião, Jacy abre os braços.— E as suas famosas viagens internacionais, como é que vão? Tem saído muito desta Banânia?— Saio justamente amanhã, meu caro. Coisa de uns 30 dias na Alemanha, para limpar os neurônios. Quer que lhe traga alguma coisa?Esse é um oferecimento que só os generosos fazem, e o que ouvia pensou logo em parafernálias da área ótica, na qual os alemães são craques. Manteve, porém, natural discrição ante a gentileza, ao murmurar que gostaria, apenas, que o famoso homem de negócios trouxesse para ele algumas escovas de dentes. E justificou afirmando que as germânicas, ao contrário das nossas, demoram meses para começar a esgarçar. Os amigos se despediram e cada um tomou seu rumo.Uns 40 dias depois Jacy recebeu, em seu escritório no centro, um pacotinho. Eram as escovas que encomendara, e que o viajante catou entre aquelas que os experts consideram as melhores do mundo.O resto aconteceu no mesmo dia, à hora do almoço, quando o presenteado passava por uma das ruazinhas, desertas nas horas meio mortas, no âmago do chamado Cambuí Nobre. Surgindo do nada o deputado, digo, o assaltante planta-se ante a vítima para soltar a conhecida frase do “a bolsa ou a vida”. Homem prevenido, desde muito Jacy sempre carregou, na carteira, bem dobradas notas de 20 reais, umas cinco ou seis, destinadas a algum meliante em caso de assalto. É que ouvira mais de uma história de pessoas que teriam sido mortas por estarem com os bolsos vazios. Apesar de nunca ter passado pela amarga experiência, sabia que era só uma questão de tempo; logo, algum deputado, perdão, assaltante enfiaria o treisoitão na sua cara. Meteu a mão no bolso traseiro, tirou o porta-cédulas e entregou com um “aqui está, é tudo seu”.Só que, como se fosse para essa história poder ser escrita, o deputado, digo, o gatuno apontou para uma pasta de plástico azul com elásticos que Jacy carregava.— O que tem aí? Passe tudo pra cá!— São só papéis, meu amigo, coisas do escritório, nada de valor; o que eu tinha de grana já lhe dei.— Então abra! — O deputado, digo, o lunfa ordena.Sem outra alternativa a pobre vitima obedece. Só que, em cima dos papéis, estavam as lindas escovas de dentes que o assaltado acabara de ganhar. Não teve dúvidas em garantir: — São produto alemão, meu caro, nada desses fajutos feitos na China; ótimas escovas, das melhores que existem. Duram uma eternidade, pode levar que você vai ver.Até com um sorrisinho o deputado, digo, o amigo do alheio, abriu a mão: — Vamu, passa imediatamente pra cá.— Todas?— Claro, todas. O que é que você quer?— Mas podia deixar ao menos uma pra mim...— Todas!Feita a entrega, o deputado, digo, o ladrão saiu correndo no rumo da Silva Telles e sumiu. Jacy, respirando aliviado, encostou no carro que deixara estacionado e passou o lenço na testa úmida de suor, apesar do frio. Só então remexeu nos papéis da pasta para ter certeza que sob eles permanecia intacto o envelope onde estavam 5.000 dólares em notas de 100 estalando de novas que acabara de comprar. Isto posto tratou de se mandar. Afinal o deputado, digo, o assaltante poderia cismar de voltar...