“Dura Lex, sed Lex”! Está aí, leitor, a melhor forma de se exprimir o rigor da lei, às vezes, de um modo frio, insensível, até impiedoso: a lei é dura, mas é a lei, sem agrados ou perdões. E, como completava meu velho professor, diante a aridez de suas aulas, “no cabelo, só gumex”! Era uma brincadeira inocente, que amenizava a exposição de assunto tão sério.Exemplo? Avalie, com isenção de ânimo, o que acontece numa clínica de fisioterapia no Castelo: seu estacionamento tem somente três vagas, quase sempre ocupadas. Mas para ali convergem, durante todo o dia, dezenas e dezenas de carros e vans, transportando cadeirantes, usuários de aparelhos ortopédicos, mães trazendo no colo seus filhos com necessidades especiais. Então, como estacionar para o desembarque de pessoas tão carentes? No leito da avenida, movimentadíssima, nem pensar: atrapalha o trânsito, é perigoso. Se parar na calçada, a lei é implacável: vem logo o “amarelinho”, abre solenemente seu bloco de intransigências, e multa mesmo! Sim, ele está coberto com as razões da legalidade... mas é preciso tanto rigor com essa gente já sofredora? Para completar o drama, o vizinho da esquerda resolveu instalar, na extremidade do seu espaço, blocos de concreto, que é para ninguém ousar “invadir” a área, o que dificulta ainda mais a vida dos que precisam manobrar o veículo, pegar um paciente. É a Dura Lex!E a situação incrível que acontece com o Centro de Ciências, Letras e Artes, de Campinas: seu terreno doado pela Prefeitura no alto do Taquaral, à espera de verbas para construção da futura sede, tem na área três ou quatro arvorezinhas que, segundo especialistas em botânica, são exemplares raros da Mata Atlântica: “não podem ser cortadas, é preciso preservar essa raridade da natureza”. E, com isso, o projeto junto ao Ministério da Cultura, que vai abrir a possibilidade de captação de recursos para a obra, não segue adiante... sem uma Licença Ambiental. Não adianta transportá-las para outra área, plantar exemplares iguais em outras regiões: não, nada sem a “Licença Ambiental”, um procedimento que vem rolando por meses e meses a fio. Finalmente, técnicos no assunto encontraram um outro caminho, mas a solução definitiva do problema ainda está pendente.Ainda sobre árvores, em frente à minha casa ergue-se um belo exemplar de tronco gigantesco, cujos galhos, como grandes braços, avançam para a fiação elétrica e da tv a cabo, empanam a luz das luminárias dos postes, ameaçam a segurança dos pedestres, até com seus frutos (abacates) caindo sobre inocentes cabeças. Já solicitamos, oficialmente, as devidas podas, e estamos aguardando providências... agora, com o anúncio de perspectivas mais animadoras. Mas, num dia destes, um caminhão de serviços de urbanização na cidade parou por perto, e sua equipe de trabalho iniciou o corte de galhos de outras árvores da rua, nem tão grandes assim. Alegramo-nos: enfim, tinha chegado a hora da nossa árvore. Mas, que decepção: — Sinto muito, senhor. A Ordem aqui não inclui a “sua árvore”.Argumentei: já que estavam por ali, com todas as ferramentas à mão, não custava nada aproveitar e dar uma “cortadinha”, nem que fosse de uma maneira só emergencial. Não! Foi a taxativa resposta, ordem são ordens!Assim, as histórias vão se sucedendo: o extremo rigor no fechamento das portas de entrada de vestibulares, não se admitindo ninguém nem um segundo a mais além do horário estabelecido. Não adianta argumentar que o local estava mal sinalizado, a informação não foi claramente anunciada etc. Passou do horário, não faz a prova. Você aguarda uma decisão da Justiça, que vai aplacar algum constrangimento, acertar os ponteiros da sua vida? Não sai fácil, é preciso esperar, esperar por uma sentença daqui ou um acórdão dos Tribunais, abarrotados de causas à sua frente. O acidentado está estendido na calçada, urgindo por um atendimento? O policial não tem permissão para atendê-lo, transportá-lo, coisas assim. “É preciso aguardar ambulância”, que demora a chegar.Espere! Não vamos terminar esse rosário de tragédias urbanas sem contar, pelo menos, uma historinha menos dolorosa, concorda? No Culto à Ciência dos anos 50, então, famoso pelo seu rigorismo, havia um professor que não admitia a prova mensal ser feita no tradicional papel almaço. Precisava que se usasse uma página dupla de caderno. Se não, nada que fosse colocado em suas linhas tinha algum valor. Teimei, não fiz a prova.Apesar de tudo, que saudade daquele tempo, quando a Dura Lex me parecia ser assim rigorosa somente com as coisas mais simples. Como uma prova mensal de Geografia do ginásio.