Estudantes que sequer eram nascidos nos tempos dos anos de chumbo organizam mostra sobre o tema
Projeto Experiência 10 - Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Padre José Narciso Vieira Ehrenberg ( Dominique Torquato/ AAN)
Renata Aragão Macedo tem 14 anos, estuda no 9º ano do Ensino Fundamental e até o começo deste ano nunca tinha ouvido falar em “ditadura militar”. Desde abril, no entanto, ela se envolveu num projeto interdisciplinar entre história e artes na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Padre José Narciso Vieira Ehrenberg, no Jardim São Marcos, e não só aprendeu o que significou o período entre 1964 e 1984 como também pôde expressar o que esse aprendizado representou para ela. Com a orientação das professoras Mônica Fernanda Bonomi e Vanessa Paola Rojas Fernandez, Renata faz parte de um grupo de cerca de 90 alunos que produziu a exposição 50 Anos do Golpe de 64, instalada no pátio e corredores da escola desde a sexta-feira passada. O conteúdo relativo aos anos de chumbo faz parte da programação do 9º ano na matriz curricular. Como em 2014 foram lembradas as cinco décadas da instalação da ditadura, a escola decidiu envolver também os estudantes das turmas de 8º ano na atividade. Em abril, Vanessa, que leciona história, iniciou a abordagem do tema a partir da discussão de textos e de aulas expositivas. Ao mesmo tempo, nas aulas de artes, Mônica provocou o estudo de dois artistas importantes das décadas de 1960 e 1970: Cildo Meireles e Artur Barrio, que fortaleceram a resistência por meio de ousadas intervenções artísticas. Meireles, por exemplo, em 1975, carimbou dezenas de notas de um cruzeiro, a mais comum à época, com os dizeres “quem matou Herzog?”, numa alusão à morte do jornalista Vladimir Herzog (1937-1975), dado à época como suicida pelos militares. Barrio produziu, entre 1969 e 1970, a série Trouxas Ensanguentadas. O artista português, residente no Brasil desde os anos 1950, espalhou pelas ruas das capitais paulista e mineira, várias trouxas machadas de tinta vermelha, referências ao sangue dos mortos e torturados pelo regime. As intervenções urbanas foram produzidas após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que suprimiu as liberdades individuais e extinguiu o Congresso Nacional. “O mais interessante deste trabalho foi que os alunos puderam refletir sobre todas as temáticas envolvidas com a ditadura militar no Brasil e perceber o potencial expressivo da arte, identificar que ela carrega também uma finalidade crítica e que possui grande importância na forma como se pode agir no mundo”, explica Mônica. Inspirações Depois do trabalho em sala de aula, vieram mais duas inspirações que culminariam na exposição. Primeiro, foi a vez de visitar o Museu da Resistência, instalado na antiga prisão do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em São Paulo. O espaço, inaugurado em 2005, tem documentos, filmes, depoimentos em áudio, além de celas que simulam o que era o lugar para onde foram levados muitos presos políticos. “Alguns alunos chegaram a se emocionar ao conhecer a história, as formas de tortura praticadas e todas as injustiças”, diz Vanessa. Depois da visita, os estudantes também puderam ter contato com um pouco de memória da época: a militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN) Robêni Baptista da Costa esteve na escola para uma palestra e contou como era ser contrária ao regime militar e defender ideias como democracia e comunismo. “O mais interessante foi perceber que ela nunca desistiu, assim como muitos jovens da época. Isso serve como um incentivo para nós”, conta Renata. Colega de turma, Monique Naine Aparecida dos Santos Amaral pôde expressar a emoção e a sua visão da história quando começou a etapa final do projeto: com dramatizações, os alunos encenaram algumas formas de tortura e tentaram mostrar por meio de fotografias o que a ditadura representou para os brasileiros. Um painel com o nome de 400 presos políticos, mortos ou desaparecidos, está entre as produções. “Acho que é muito importante quando dois ou mais professores trabalham juntos e quando a gente faz algo para mostrar o que compreendeu. Assim, fica muito mais fácil entender”, diz. Usando uma câmera emprestada da professora Mônica, os alunos produziram dezenas de imagens a partir das dramatizações. São cenas que simulam, por exemplo, mordaças, silêncios e cenas de dor expressas em olhares. A ideia é que a comunidade ao redor da escola também possa ver as imagens, bastando para isso marcar um horário para garantir a segurança e a continuidade das atividades no colégio. Proposta é envolver as disciplinasA Emef Padre José Narciso Vieira Ehrenberg tem as atividades interdisciplinares e o trabalho com as diferentes linguagens como proposta pedagógica. No ano passado, ao abordar a necessidade de evitar o desperdício de materiais, as professoras Mônica Bonomi, Etelvina Rogge e Cláudia Fagundes Pedroso desafiaram os alunos a produzir uma imagem da cantora Carmem Miranda (1909-1955) de 9,10 metros por 8,16 metros que ocupou toda a quadra esportiva da unidade. Integrando disciplinas como matemática, ciências e artes, o propósito foi estudar como os materiais recicláveis podem ser utilizados também na produção artística, inspiração direta no trabalho do brasileiro Vik Muniz. Até uma gincana que recolheu materiais recicláveis destinados a uma cooperativa foi organizada pelos alunos. O projeto foi um dos vencedores do Prêmio Experiência 10 no ano passado. SAIBA MAIS QUEM SÃO AS INSPIRAÇÕES SÃO AS ALUNOS Cildo MeirelesNascido em 1948, o artista carioca é considerado um dos mais críticos nas artes plásticas no período da ditadura militar e, mais recentemente, ao modelo econômico brasileiro. Suas obras são, em geral, instalações e performances. Entre as mais conhecidas, está o carimbo da frase “Quem Matou Herzog” em notas de cruzeiro, além de “Tiradentes: Totem Monumento ao Preso Político”, composto por uma tenda, embaixo da qual ficava uma cadeira com várias pontas de prego. Além disso, ele produziu réplicas de notas de dinheiro em que os ícones eram substituídos por fotografias de índios e pacientes em hospitais psiquiátricos. O artista é um dos contemporâneos mais premiados no Exterior. Em 2008, ele recebeu o Prêmio Velázquez de Las Artes Plásticas, concedido pelo Ministério da Cultura da Espanha. No mesmo ano, também ganhou o prêmio da Tate Gallery, em Londres, na Inglaterra. Artur Barrio Nascido no Porto, em Portugal, em 1945, o artista vive no Rio de Janeiro desde 1955. Foi um dos primeiros brasileiros a produzir instalações de grandes proporções, usando materiais diversos e até mesmo materiais orgânicos, como sangue, pó de café e carne. Sua obra chama a atenção ainda pela transformação em obras de arte de materiais como papel higiênico e sal. Uma das produções mais conhecidas foi concebida a partir do talhe de um pedaço de carne em formato de livro. A obra decompunha-se diante do público em cerca de três dias e precisava ser reposta. Livro de Carne, como foi chamada, participou de exposições em Paris, na França, e na Bienal de São Paulo. O artista participou de mostras nos Estados Unidos e na Alemanha. Venceu, em 2011, o Prêmio Velázquez, na Espanha.