Que italiano, que nada!
Filé à parmegiana, arroz à piemontês, espaguete à romanesca... Esses pratos parecem italianíssimos, já que remetem a regiões da velha bota riquíssimas em tradições gastronômicas. Mas que nada. Tais receitas foram todas inventadas por aqui mesmo, em terras tupiniquins, nas cantinas da cosmopolita São Paulo. A culinária é a arte de cozinhar. E arte tem vida, movimento. Daí estarmos sempre criando algo novo, pegando emprestado isso ou aquilo de um clássico, buscando nele inspiração para releituras, praticando adaptações quando necessárias ou, simplesmente, inventado. Sempre foi assim.
Algumas dessas criações ou improvisações, quando concebidas em casa, na cozinha nossa do cotidiano, ficam restritas ao ambiente familiar. Outras são frutos da ousada imaginação e habilidade de profissionais e, quando caem no gosto da freguesia, ganham sobrevida e passam a ser copiadas. Assim, apesar da historiografia escassa, todo prato que exige um pouco de conjugação entre seus ingredientes tem lá uma curiosidade, uma historinha. Triste é que algumas estejam perdidas, embrenhadas nas trevas do tempo.
Ano passado, escrevi aqui sobre o arroz de Braga, receita que rapidamente ganhou popularidade entre nós. Braga é uma cidade ao Norte de Portugal, onde um dos pratos mais famosos é o pato com arroz. Mas, lá em Braga, gajo algum conhece a tal receita, até porque ela foi criada no Brasil, por algum imigrante saudoso que substituiu a carne de pato pela de frango, mais aceitável ao paladar brasileiro, e homenageou sua obra com o nome da localidade portuguesa. O resultado foi tão convincente que muitos creem ser uma receita original do vilarejo lusitano.
São Paulo sempre foi reduto de imigrantes italianos e a cozinha cantinesca, que floresceu na primeira metade do século passado e respira até hoje, em sintonia com o sotaque gastronômico da Itália, foi a responsável por nos pregar saborosas peças. Exemplo? Não há – e nunca houve – na Itália registro do tal filé à parmegiana. Nem na Emilia-Romagna, onde fica a cidade que empresta o nome ao prato, se tem notícias dessa combinação. Na Itália, à parmegiana somente berinjelas, que, empanadas, fritas ou assadas, são gratinadas sob um denso e vermelho molho de tomates coberto por queijos e orégano. E, cá entre nós, um filé à parmegiana, quando bem feito, é uma beleza. Deve ser aplaudido.
Outro presente que a criatividade dos cozinheiros cantineiros nos deu foi o arroz à piemontês (algumas cantinas grafam assim, mas já vi piamontesa; prefiro arroz à piemontesa ou à piemontese). Piemonte é uma região no Noroeste italiano, uma terra de tradições camponesas, rica em produção de arroz, vinho, leite e derivados que, por muito tempo, flertou com ingredientes das vizinhas França e Suíça. A receita do arroz à piemontese surgiu em Sampa nos anos 40 do século passado, quando a Itália estava em guerra e o fluxo de importação de alguns itens, entre eles arroz e especiarias, foi interrompido.
Para acabar com as saudades da comunidade italiana na Pauliceia, a solução foi incrementar nosso arroz-agulha com champignon francês e generosas doses de creme de leite, manteiga e queijo. O resultado é um arroz cremoso que, dependendo da quantidade de creme de leite, pode ficar com aspecto de risoto ou um pouco mais firme. Ele passa longe de um autêntico risoto italiano, mas resiste até hoje em muitos cardápios. Louvemos, então, a criatividade e o dom de improvisar dos velhos cozinheiros das sonoras e borbulhantes cantinas paulistanas.
INGREDIENTES
1 ½ xícara (chá) de arroz branco cozido
60ml de vinho branco seco, de boa procedência
200ml de creme de leite fresco (ou 200g de creme de leite UHT)
140g de champignon em conserva drenado
130g de queijo parmesão, ralado em lascas médias
100g de manteiga sem sal, em temperatura ambiente
1 colher (sopa) de salsinha finamente picada
Sal e pimenta-do-reino a gosto
MODO DE PREPARO
É muito fácil. Cozinho o arroz branco como de costume, com um fio de óleo e sal, deixando os grãos soltos, firmes e al dente. Fileto com uma faca o champignon e reservo. Escolho uma caçarola ou panela de boca larga, derreto nela a manteiga com o vinho, agrego os champignons, mexo ligeiramente, acrescento uma pitada de sal (atenção porque o parmesão é bem salgado e o arroz já vem com sal) e pimenta-do-reino.
Com uma colher, junto o arroz pronto, mexo delicadamente e espero aquecer por 3 ou 4 minutos em fogo brando. Agrego o creme de leite, mexo e remexo com delicadeza e deixo mais 4 minutos no fogo, até o arroz aquecer bem e ganhar uma consistência bem cremosa. Junto o queijo ralado e a salsinha e, com uma colher e muita gentileza, agrego tudo. Tapo a panela, deixo descansar por 3 ou 4 minutos até o queijo derreter e envolver todo o arroz.
No prato que vai à mesa, moldo o arroz com aro de metal, decoro e sirvo, acompanhado de uma carne grelhada bem macia ou filé de frango grelhado.