Rodrigo de Moraes, colunista, editor, Correio Popular ( Cedoc/RAC)
“Será que o vermelho que eu enxergo é o mesmo que você enxerga?”. Eram tempos de faculdade, e o questionamento da colega me soou legítimo, como hoje ainda me soa. Legítima também a angústia perante o mundo de quem mal havia deixado a adolescência e se encontrava naquela espécie de limbo que precede a idade adulta, suas obrigações e conformismo pequeno burguês. Por fim, concordamos que não havia como saber se percebíamos, cada um de nós, a cor vermelha (ou verde, ou azul) do mesmo jeito. Sendo assim, concluiu ela com um riso nervoso, estávamos condenados à eterna solidão: as pessoas seriam detentoras de uma individualidade incomunicável, impossível de ser compartilhada com o outro. Isso nos tornava únicos, mas irremediavelmente isolados de nossos pares. Que coisa terrível era a existência. Não sabíamos, mas a filosofia — segundo a minha muleta para o assunto, o guia ilustrado da editora Zahar assinado por Stephen Law — já se debruçava há séculos sobre questão semelhante à que ocupava nossas já atormentadas cacholas. Segundo algumas correntes de pensamento, os objetos possuem qualidades “primárias” e “secundárias”. As primárias, como forma, tamanho, posição etc, são traços objetivos da realidade externa, e independem do observador; por outro lado, as secundárias, como cor, sabor e cheiro, são essencialmente ligadas à mente de quem vê. Sendo assim, as cores existem por si só? Não, disse Galileu Galilei (que quase ardeu na fogueira da Santa Inquisição por dizer que a Terra não era o centro do universo). “Sustento que sabores, cores, cheiros etc. só existem no ser que sente”. Sem o observador, conclui Galileu, as cores e outras características secundárias desaparecem. Uma consequência dessa teoria, observa Law, é que ela torna a cor relativa — o que acaba, vejam só, dando razão de ser para o questionamento que abre este texto. “Seres com constituições muito diferentes — extraterrestres, digamos — talvez vissem vermelho onde vemos verde, e vice-versa”. No entanto, o julgamento deles, dos ETs, que ao olhar do alto para um campo de futebol talvez enxergariam um retângulo vermelho riscado por linhas cor de abóbora, seria tão preciso quanto o nosso. É claro que minha supracitada colega não se atribuía, nem aos outros, origem extraterrestre. Mas ela já intuía a realidade como algo menos palpável e mais enganosa que o que se revela a nossos olhos. * * * * * * * * * * * * * * * * O caso do vestido ora azul e preto, ora branco e dourado que pululou na internet há algumas semanas é um exemplo da atuação da subjetividade na nossa percepção do mundo externo. No caso, fatores fisiológicos, relativos ao funcionamento de nosso sistema ocular, interferem na percepção das cores do tal vestido. O debate que se seguiu após a imagem da peça se multiplicar ao infinito na internet, no entanto, era polarizado (e talvez nem possa ser qualificado como debate porque não pode se atribuir “certo” ou “errado” ao que as pessoas enxergavam, ainda que a roupa fosse, de fato, azul e preta). Formaram-se dois grupos de observadores: os que enxergavam uma combinação de cores, e os que enxergavam outra. Não havia, pelo menos que eu saiba, uma terceira categoria. Ou seja, uma questão bem mais simples, preto-no-branco, que a levantada há muitos anos por uma angustiada estudante universitária. A moça, a propósito, ao ver a imagem do vestido, talvez prosseguisse com sua inquietação: “O azul e preto/branco e dourado que eu enxergo é o mesmo que você enxerga?”. É?