JOAQUIM MOTTA

Amores e Amizades

31/05/2013 às 08:48.
Atualizado em 25/04/2022 às 13:56

Os vínculos humanos são complexos como qualquer coisa da nossa espécie. Uma única pessoa implica mistérios para ela mesma, imagine duas se relacionando... Quando são envolvidos afetos, tudo se torna difícil - eles são de complexidade indecifrável pela sua própria abstração emblemática. Um observador neutro diante de duas pessoas conversando em um café pode imaginar que ali estão dois irmãos, um casal de namorados, dois sócios, duas figuras amigas de longa data, dois colegas de clube etc. De modo convencional, quando se trata de uma amizade, há uma reserva moralista que desaconselha experiência erótica na relação. Ultimamente, arrisca-se mais, mulheres e homens tentam conciliar os papéis de amigos e parceiros íntimos. Há até o modismo referido pelo monograma “P. A.” (Pinto Amigo). Mas a criação do P. A. é mais para uma mulher justificar o sexo casual. A censura moralista só libera a mulher para o sexo nesta sequência: em primeiro lugar, tem que se envolver por amor; em segundo, pode ser com um amigo (então, ela se considera em amizade para transar). A liberdade sexual entre homens e mulheres que efetivamente já eram amigos antes do sexo é nova – teremos que esperar um pouco para avaliar sua influência essencialmente ética (e não moral) nas amizades. Historicamente, há exemplos remotos, variações curiosas e surpreendentes entre os povos primitivos. A sabedoria oriental contemplou os laços da boa amizade desde a Antiguidade. Os gregos tinham noções teóricas e vivências práticas mais amplas e seguras do que representam as ligações amistosas. Francesco Alberoni relata que Aristóteles, uma das figuras centrais da filosofia da Grécia antiga, procurava identificar a “verdadeira” amizade, comparando virtude e vantagem. O vínculo entre dois sócios de negócios visava mais a vantagem de prosperar na empresa, entre dois políticos implicava favoritismos. A amizade exemplar teria que se basear na virtude da ética. No Império de Roma, parece que o oportunismo e a troca de interesses contaminaram mais os vínculos dos romanos que se envaideciam com o domínio e a glória.Os cristãos, vivendo em condições mais adversas e pela convivência com a cultura de alguns povos do oriente, trouxeram uma melhoria ética ao ocidente. Mesmo que a força principal dessa evolução tenha sido um recurso moralista (corpo é pecado, mulher é tentação), ela trouxe mais recheio ético (amar o próximo, solidariedade) para as amizades. Ao longo do milênio da Idade Média, época de pouca fartura para os camponeses, eles se uniram, de modo natural e por necessidades biológicas. Sem muita escolha, criaram uma relação interessante de mutualismo, semeando os germes das ações cooperativas de hoje. Entre os cavaleiros, surgiram os códigos de honra e de confiança, fortalecendo os laços de lealdade e fraternidade. A ficção, a arte, as missões, as guerras religiosas e os fatos históricos sugeriram ligações intensas entre reis e súditos, combatentes e líderes. Dedicações extremadas e vidas ofertadas de forma heroica permearam esse período.Nos séculos 11 e 12, a Igreja exercia seu poder e protocolava os sacramentos. Surgia o casamento cristão para abençoar o sexo reprodutivo e a amizade não escapou de ser castrada. Desde os primeiros tempos em que o homem conseguiu pensar antes de agir, ele tentou se relacionar com o próximo, confiando-desconfiando, descobrindo a chance de ambos se amarem ou se explorarem. Como uma forma de amor, a mais nobre virtude humana, a amizade convive e enfrenta as fraquezas correlatas. A sedução que o mercado exerce sobre nós, incitando-nos vantagens, exige relações utilitaristas. Usamos dos amigos como meios para chegar a um resultado conveniente. Mas também sentimos e observamos que há amigos plenamente confiáveis, que são capazes de grandes demandas por nós.Mesmo diante de desconhecidos, a amizade social brota no coração dos voluntários e a solidariedade faz milagres nas catástrofes. Do descompromisso do “salve-se quem puder” às ajudas comunitárias empolgantes, da confiança modelar à cumplicidade corrupta e nepotista, temos oscilado no pêndulo vital, ainda sem mobilizar amor suficiente para predominar na tendência virtuosa. Da canção Sereníssima, autoria de Renato Russo, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos, desempenhada pelo grupo musical Legião Urbana, selecionei os versos: “Sou um animal sentimental... Quando foi que competimos pela primeira vez?.... O que ninguém percebe é o que todo mundo sabe, não entendo terrorismo, falávamos de amizade.” Quero lembrar ao leitor do nosso Grupo de Estudos do Amor (GEA). No site www.blove.med.br, clique GEA.  

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