As relações amorosas implicam limites, convenções, mitos e reciclagens, como quaisquer valores e significações humanas. O amor, a fração mais nobre do espectro de sentimentos humanos, não escapa das restrições. Já que é a nossa mais importante conexão, deve ser repensado e aprimorado assiduamente. Idealizado como entrega absoluta, extrapola as dimensões reais gerando dramas evitáveis. Desconsiderado como virtude, não é aproveitado para atenuar as crises relacionais.Pelas expectativas românticas, todos gostariam de fruir de um amor seguro, estável e fiel. Os que conseguissem estariam no caminho da felicidade e da paz.A realidade nem sempre colabora com os sonhos. Um clima de tristeza e guerra faz qualquer um duvidar do amor. Negá-lo, reduzi-lo à alçada da infância, da adolescência, à feminilidade-maternidade, senescência e religião são recorrências. A cultura falocentrada retumba machismo, segue concebendo o amor como carência de crianças, imaturidade de adolescentes, dedicação de esposas e mães, reafirmação de idosos e discurso de clérigos. E só admite afeto nos homens imaturos ou vetustos.Além de rechaçar o sentimento masculino, a tradição cultural associa o afeto a dimensões divinas. Os exemplos mais comuns são as frases corriqueiras: “Deus é amor!”, “Deus é fiel!”.A referência de um sentimento modelar, exercido por Deus, perfeito e infalível, não nos serve. Amamos longe da perfeição e do ideal, devendo compreender e desenvolver o amor como virtude humana. O amor humano não oferece garantia nem segurança. Não sendo produto à venda, dispensa validade.Mas podemos amar mais e melhor, desde que não evitemos os aspectos difíceis dos relacionamentos: o ciúme, o direito e a posse dos pares, a hipocrisia das promessas, a exclusividade narcisista e o egocentrismo do foco afetivo. Há uma tolerância quanto ao ciúme. Ele é considerado próprio do envolvimento, comparado a uma prova de amor.Não há dose normal de ciúme. Este é um mito perigoso, ranço de personalismo e vaidade que invade as personalidades dos amantes e sustenta uma rede perversa de ações e reações nocivas. Revendo os alcances do amor, temos que dispensar o ciúme. O aprimoramento afetivo despreza-o.Assinar contratos cria autoridade entre os pares, uma formalização que não inspira a espontaneidade e incita a posse. A filosofia de Nietzsche é implacável: “... não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência”. A impostura afetiva é um dos mais graves problemas nos relacionamentos.Fingir amor, fazer declarações simuladas é a pior hipocrisia possível. É intolerável um “eu te amo” falsificado. Quando os pares consentem o sexo casual, o erotismo é favorecido à medida que os dois não se enganem e assumam a eventualidade. Eles deveriam exercer não só o sexo seguro, mas o afeto também: servir-se do preservativo genital costumeiro e de uma “camisinha para o coração”, proteção simbólica para os vínculos sentimentais que não coubessem naquele encontro. Nos relacionamentos que pretendem um futuro comum, o desespero narcisista pela exclusividade pode consumir os pares.Cada um, solicitando certeza de amor e fidelidade, olha muito para si e não vê o outro nem a relação. Defendendo a própria personalidade, eles se isolam no suposto esforço de se ligarem.A fidelidade não pode atender as expectativas do amado, é oferta unilateral e espontânea do amante. Cobrada como “direito”, não passa de um tabu. Situar-se como objeto da afeição, ao invés de questionar-se como sujeito, conduz à acomodação de checar o outro, sempre perguntar se ele está amando suficientemente.O hábito é querer que o outro demonstre as “provas de amor”. Temos que inverter essa tendência. “Você me ama?” é a rotina dos questionamentos equivocados. “Será que estou amando?”, esta seria a questão devida. Nunca amaremos como deuses, mas podemos aprimorar, nos alcances humanos, diariamente, o nosso mais nobre sentimento.Acompanhem a programação do GEA (Grupo de Estudos sobre o Amor), através do site www.blove.med.br.