Costumamos indicar o amor como o mais importante valor humano, mas infelizmente isso não sai da teoria.Declaramos a necessidade de nos amar muito, de expandir a solidariedade, reforçar as boas amizades, auxiliar e ensinar os carentes, mas poucos praticam ações suficientes para isso.Também apontamos para a demanda de qualificar o erotismo, interromper a banalização do sexo, combater preconceitos sexistas, mas aí também pouco efetuamos.O discurso que teoriza o amor, mas não o exerce, simula pregações do marketing das religiões. Os pastores de má fé berram nos microfones das rádios e tevê, nos palcos dos templos, nos púlpitos das igrejas que “Deus é amor”, que “Deus é fiel”, arrebanhando féis, mas o nível precário e desqualificado do afeto permanece (quando não piora). Há denúncias frequentes na mídia sobre trapaças e lucro extraordinário dessas seitas, manipulação da fé de incautos, mas as repercussões não interrompem a impostura e a hipocrisia perversas.Para sair do impasse, caberiam duas alternativas: a primeira, seguir um clero probo, de boa fé; a segunda, desenvolver um amor humano, independente de fé religiosa.Escolher os sacerdotes confiáveis fica por conta do leitor. Alternar para um amor leigo é um caminho que posso sugerir.Um anarquista francês, Sébastien Faure, criado em família burguesa e conservadora, estudou em estabelecimento religioso. Os jesuítas do colégio detectaram nele inteligência e vocação para seguir o “caminho de Deus”. Aos 17 anos, entrou no noviciado. Foi noviço exemplar, até o pai adoecer e morrer. Voltando à vida laica para sustentar a família, foi questionando os referenciais religiosos e passou a combatê-los energicamente. No início do século passado, sentenciou: “O melhor testemunho de amor que Deus poderia oferecer às criaturas seria uma prova de sua inexistência”.Realmente, isso facilitaria bem a nossa trajetória.O homem precisa ampliar o espaço e o tempo do amor. Através desse modelo habitual que destaca as virtudes do amor divino, não temos conseguido algo realmente significativo. É essencial que trabalhemos as nossas dificuldades e perspectivas amorosas dentro do limite humano, nas fronteiras da realidade. Temos que melhorar o intercâmbio amoroso no contexto do nosso mundo. Insistir no padrão divino é nos condenar a um distanciamento insuperável.O amor divinal é perfeito, teórica e praticamente indiscutível, não admite revisões ou acertos.O amor humano será eternamente imperfeito, sempre admitindo reflexões e consertos. Evitando o modo divino de amar, procuraremos em nós mesmos as causas e efeitos do amor parco, inexpressivo, do erotismo minguado, que temos trocado.De modo geral, é fácil encontrar interação amorosa medíocre. Por outro lado, ainda que raros, há exemplos de amor humano dignificante, de esplendorosa nobreza espiritual. Se alguns seres humanos conseguem, por que outros não?A minoria capaz pode dar mais uma demonstração de sua potencialidade amorosa: ensinar a maioria. Uma combinação de empenho racional com dedicação emocional, o equivalente de uma “inteligência amorosa” poderia nos auxiliar bastante. Concentrados em evoluir no amor humano, nós nos encorajaríamos a combater pontos perigosos e perversos do amor divino, como fez Mikhail Bakunin. Ele sugeriu que a existência de Deus implica necessariamente a escravidão de tudo abaixo dele. Assim, só haveria um meio de servir à liberdade humana: seria o de Deus deixar de existir!Em “Diálogos Criativos”, Domenico De Masi escreve: “para Frei Betto, Deus criou o homem por um ato de infinita bondade; segundo minha concepção, o homem inventou Deus por um esforço de infinita esperança”.Amar a Deus tem sido tarefa contraditória e concorrente às chances de nos amar. O amor ao Ser Perfeito é desigual, ardiloso, implica uma desproporção de interesses que tende a satisfazer apenas o lado humano: uma pessoa precisa reivindicar muita coisa de Deus, mas nada tem a oferecer para Ele.Estrategicamente, podemos apontar a inexistência de Deus como tática que facilite a assunção do amor humano. Depois de desistirmos do amor divino, a crença na existência de Deus pode ser retomada...Quero lembrar ao leitor do nosso Grupo de Estudos do Amor (GEA). Acompanhe pelo site www.blove.med.br as nossas iniciativas e programações.