ig-celia-farjalatt (aan)
Morar em cidade é coisa que eu não queria, não. Sonhava , para o fim da vida um pedaço de terra , lá para os lados da antiga Fazenda Bonfim, perto do Descampado, ou da Boa União . Um simples pedaço de chão , que desse para formar horta e um pequeno jardim. Algumas árvores e poucos animais. Um cavalo como o Marengo , e um cão como o Tupi , meia dúzia de galinhas poedeiras, um pé de café, um apenas ou dois, para sentir o perfume na florada, e naturalmente , um chalé, ou cabana bem rústica com fogão a lenha, forno de barro . Seria o paraíso , que não pode ser. Vivo na cidade e bem no centro . Roça só em sonhos ou na tela da memória. Não tive escolha. Não perdi os sonhos ainda. Quem sabe, um dia. Enquanto isso não acontece, vou vivendo bem no centro da cidade , que tanto amo. E que conheço palmo a palmo. Já os novos bairros, os arrabaldes, são estranhos para mim. Raramente visito um ou outro , e levo um susto Meus Deus ! Que pena ! Onde os campos e os matos? Só vejo terra escalavrada, barracos sórdidos , gente sofrida e revoltada . Plantações ? Raríssimas. Volto à city, ao velho coração de Campinas. Nele ficam quase todos o prédios públicos, as igrejas mais antigas e um ou outro casarão que escapou 'a sanha destruidora ou reformista . As próprias ruas já não são o que foram . Mudou o traçado. Mudaram os nomes. Cortaram-se as árvores. A rua Direita ficou sendo a Barão de Jaguara ;a São João virou Visconde de Rio Branco; a rua do Mercado perdeu seu nome, para Boaventura do Amaral ; a antiga rua Formosa é a atual Conceição . E houve mais mudanças. A pitoresca rua do Caracol tornou-se Benjamim Constant ; e a moderna Culto à Ciência é uma continuação da rua Alegre . Por fim a rua Barreto Leme atual era conhecida como rua da Matriz Velha. Aliás, a Basílica do Carmo atual foi Matriz Velha daqueles tempos, sim senhores, com muita tradição e beleza . Árvores ladeiam algumas de nossas ruas , não todas. E corta-me o coração vê-las quase sempre judiadas , retorcidas e até queimadas.. Que fazem os moradores vizinhos que não protestam? Jornalistas como o Zé Pedro, campeão ecológico , reclamam , escrevem , documentam a selvageria contra as pobres árvores. Poucos figurões os escutam . Mas o extermínio fica documentado, e os homens do futuro vão cobrar caro esse crime.... As árvores urbanas tão necessárias sob todos os aspectos , mereceram de Mário Pederneiras estes versos :””Com que maguado encanto / com que saudade / sobre mim atua estranha feição das árvores da rua / Esta estranha feição das árvores da rua..../ . João do Rio, ou melhor Paulo Barreto, celebrou a alma encantadora das ruas, analisando o trânsito , os mendigos, os tipos populares, os músicos com seus realejos . E ainda os desfiles, os comícios , as procissões , os becos e os meandros. A rua, fatalmente ,cria seu tipo urbano , como a estrada criou seu tipo rural. E a influência da rua é tão grande, que Bilac chegou a dizer: “A avenida assombrada e triste da saudade / Onde vem passar a procissão chorosa / dos órfãos do carinho e da felicidade.” Poesia à parte, o aspecto moderno de numerosas ruas é de doloroso depósito de lixo, moradas de ratazanas e de mendigos de todas as idades . E isso é perverso. Sensíveis a todo este panorama desolador há várias projetos ecológicos em andamento que precisam do apoio de todos nós para sua implantação. Comecemos de nossas casas, plantando pelo menos uma árvore no jardim . As próximas gerações agradecerão...