JOSÉ ERNESTO

Ainda o cinquentenário

José Ernesto dos Santos
13/04/2013 às 07:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 20:37

“Eu quero nuggets!”

Ouvi esse pedido da minha neta Isabella há cerca de um ano e ela tinha então quatro anos. O que motivou seu desejo instantâneo foi a visão de um “outdoor” com uma letra estilizada em amarelo em fundo vermelho. Evidente que ela não sabia ler, mas aquele “sinal codificado” identificou um alimento que ela gosta ou que a induziram a gostar. Esses fantásticos sinais são os logotipos ou logomarcas. Dizem que alguns valem mais que a própria empresa.

Por ter vivido sua criação, me perguntam de onde surgiu o logotipo do Curso Oswaldo Cruz (COC), que esse ano completa 50 anos. Volto então minha memoria ao ano de 1968, quando um grupo de estudantes de medicina começara viver havia cinco anos a aventura de serem proprietários de um cursinho preparatório para os vestibulares. Chega então aos nossos ouvidos uma novidade: as grandes empresas têm logotipo. Precisamos também ter um!

Basta desses arremedos de cartazes de propaganda que fazemos para colar nos postes e muros pelas madrugadas! Somou-se a esse despertar de “marketing” o fato que nosso concorrente, o Curso Cesar Lattes, inauguraria o seu, e dele lembro-me bem: tinha a forma de um tabuleiro de xadrez, com casas vermelhas e pretas, com as letras CCL em ordem e cores alternadas. Confesso que não sabíamos o que era ou o que esse “tal de logotipo” poderia representar. Muito menos onde fazê-lo. Mas não poderíamos ficar “para trás”.

Naquela época, Ribeirão Preto engatinhava em termos de agências de propaganda. As gráficas que montavam e imprimiam nossos cartazes de divulgação o faziam com letras padrão ou no máximo usando os clichês que eram feitos na Vila Tibério, na clicheria do Ladeira. É interessante que essa palavra, clicheria, pode ser considerada uma palavra morta na língua portuguesa.

Na linguagem tipográfica o clichê era uma matriz feita em metal, geralmente de uma foto, cuja confecção usava a mesma técnica usada na linotipia ou, anteriormente a essa, na xilogravura. O clichê era um processo curioso, pois uma foto era transferida para uma placa de alumínio, com um granulado muito fino e depois essa placa era fixada a um pedaço de madeira do mesmo tamanho. O técnico da tipografia colocava essa placa juntamente com o texto que ele montava com as letras isoladas de tipos e tamanhos variados para impressão.

Os clichês foram usados por tanto tempo que a palavra tornou-se uma expressão idiomática, que tem o sentido de tudo que diz respeito à repetição, podendo tornar-se algo que gere interpretação dúbia. Hoje os computadores, photoshop, AutoCAD e as modernas impressoras tornaram esses métodos obsoletos. As antigas impressoras podem ser vistos somente em museus.

Em nossa tradicional reunião das sextas-feiras, que se estendia até a madrugada, recebi dos colegas, sócios do COC, a incumbência de procurar alguém para fazer o tal de logotipo. Procurei, ao lado do cursinho, na Rua Barão do Amazonas (quase esquina com a Mariana Junqueira) uma agência de propaganda que se chamava Propaga. Pela sua localização geográfica era obviamente a única que eu conhecia.

Fui atendido pelo seu proprietário e disse-lhe, muito inseguro, o que queria. Ele chamou o desenhista (soube depois que em uma agência que essa função se denomina diretor de arte) e o encarregou de conversar comigo e fazer o estudo de nosso produto. Não me recordo de seus nomes, embora tenha suas imagens nítidas em minha mente. Marcamos uma entrevista nos laboratórios do curso na Rua Marcondes Salgado, perto do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora.

No horário acordado o recebo e começo a lhe explicar o que o cursinho fazia. Pensando em dar-lhe inspiração, tentei mostrar-lhe um pouco do que sabia sobre nosso patrono, Oswaldo Gonçalves Cruz (1872-1917), famoso cientista, médico, bacteriologista, epidemiologista e sanitarista brasileiro, pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. Foi o fundador em 1900 do Instituto Soroterápico Nacional, no bairro de Manguinhos, hoje Instituto Oswaldo Cruz.

Não creio que o artista deu muita atenção para meu discurso, mas interessou-se e começou a “brincar” com uns pequenos pesos que eram utilizados nas aulas práticas de física. Eram pequenos pesos de metal arredondados com um recorte para encaixar em uma haste, o que lhes conferia a forma de uma letra C. Eram similares aos que eram usados para pesar de sacos de cereais nas balanças dos antigos armazéns.

Nas aulas práticas de física eram encaixados em uma haste para equilibrar o que queríamos pesar, especialmente quando se faziam experiências com associação de roldanas. O diretor de artes da Propaga tentava com esforço e insatisfação indisfarçável ouvir minha “pregação” sobre o nosso ilustre homenageado e sobre os nossos grandes projetos pedagógicos. Pobre de mim que achava fornecendo subsídios para sua criação.

Monta então sobre a mesa, usando quatro desses pequenos pesos (dois deles superpostos formando a letra O), as iniciais COC. Sua fisionomia passou a exibir uma satisfação oposta à observada instante atrás e claro, não entendida por mim. Aponta então para o que acabara de criar e me diz satisfeito: que tal? Eu respondo: “Tudo bem, vá em frente”. Depois de alguns dias ele me apresentou três esboços com cores diversas usando a figura que ali montara.

Apresentei os esboços em reunião aos sócios e eles escolheram o que fora criado usando as cores preto e verde. É a logomarca que vemos hoje em outdoors e inserções na televisão, jornais e revistas. O artista fez ainda uma previsão: chegará um momento que vocês não precisarão escrever Curso Osvaldo Cruz, pois os três sinais identificarão o curso. Creio ter ele acertado mais uma vez.

A partir de então nossas apostilas passaram a exibir, além do busto de Oswaldo Cruz, com a frase a ele atribuída: “Não esmorecer para não desmerecer” no ângulo superior das capas, a logomarca moldada a partir dos pesos das aulas práticas de física.

Pois bem, é essa a origem do logo (vejam que depois de tanto tempo até modernizei-me na terminologia) que vemos em outdoors, jornais e revistas. A sua visão sempre me traz muita emoção e saudade. Lembro-me tê-lo visto na televisão pela primeira vez em uma placa, atrás de um dos gols, em um jogo de futebol da seleção brasileira no Chile. Provavelmente foi sua primeira apresentação internacional. A emoção vendo o logo foi e continua sendo enorme.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por