ZÉ PEDRO MARTINS

Água ameaçada

07/09/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 00:38

Em agosto, a vazão média no rio Piracicaba – formado pelos rios Atibaia e Jaguari – foi 40% inferior à média histórica para o mesmo mês. A informação é muito relevante e representa nova justificativa para uma grande mobilização que a região deveria estar fazendo sobre o futuro de suas águas, o que infelizmente não tem sido verificado com o vigor necessário. Todos dados demográficos e econômicos recentes, do IBGE, PNUD e outras fontes, indicam que a Região Metropolitana de Campinas e um território mais amplo, no âmbito das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), tendem a continuar crescendo nos próximos anos, em ritmo superior às médias nacionais. Sinal da vitalidade da região, que tem importantes recursos econômicos e tecnológicos.Entretanto, na prática esse crescimento entra em conflito com o estado dos recursos naturais na região, mas principalmente com a situação da água, cada vez mais crítica. A disponibilidade hídrica na região do PCJ, em períodos de estiagem como o atual, é de cerca de 400 metros cúbicos por habitante/ano, equivalente à de países secos do Oriente Médio e África.O aquecimento global, com impacto direto em mudanças climáticas, alterou as análises sobre a disponibilidade de água de uma região ou comunidade. É fundamental haver uma estratégia de gerenciamento de risco, para evitar o caos em situações mais graves, que podem infelizmente acontecer.Essa estratégia de gestão de risco (cuja importância fica clara em momentos como os atuais, de redução drástica das vazões dos rios) é essencial, agora, no contexto das negociações para a renovação da outorga do Sistema Cantareira, em 2014. O Cantareira promove a transferência de até 31 mil litros de água da bacia do rio Piracicaba para abastecer metade da Grande São Paulo. A renovação da outorga será a autorização para a Sabesp continuar operando o Cantareira.Atualmente o Cantareira destina no máximo 5 mil litros de água por segundo para a própria bacia do Piracicaba. A região está reivindicando a liberação entre 10 e 15 mil litros na renovação da outorga do próximo ano, independente dos reservatórios novos que o governo estadual acena para a região. Reservatórios que, claro, ainda não estão assegurados, inclusive porque não foi elaborado o relatório de impacto ambiental correspondente.Mas será que a questão da água deve continuar sendo vista apenas pela ótica dos números frios, da quantidade que os reservatórios podem ou não liberar? As mudanças climáticas, de incidência incerta, de impacto imprevisível, devem ser, repito, melhor consideradas em discussão sobre os recursos hídricos disponíveis em determinada região. E, nessa discussão, é cada vez mais relevante incluir temas como educação ambiental para a mudança de estilo de vida, intensificação de replantio de matas ciliares, incremento do reuso, aceleração de obras de tratamento de esgotos urbanos e maior controle das fontes difusas de poluição, por exemplo na área agrícola.Os ciclos da natureza não podem ser resumidos, reduzidos, a fórmulas matemáticas. As radicais alterações nos fluxos naturais, incrementadas pelas mudanças climáticas, exigem um tratamento mais holístico, pluridisciplinar, intersetorial. Em sua conhecida generosidade, o rio Piracicaba deu de novo o aviso, com a redução da vazão em agosto. Tomara que seja um alerta mais claro para os envolvidos na discussão sobre o Cantareira e os recursos hídricos em geral em São Paulo, o estado mais rico e ao mesmo tempo mais crítico em água no Brasil. Ou será que vamos apenas esperar pela materialização do colapso anunciado?

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