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Seneme quer fortalecer árbitros e promete escalas com base em 'bom rendimento'

Estadão Conteúdo
09/04/2022 às 15:59.
Atualizado em 09/04/2022 às 16:04

Presidente da Comissão de Árbitros da Conmebol nos últimos seis anos, Wilson Seneme deixou o cargo na confederação sul-americana nesta semana para voltar ao Brasil e chefiar o quadro do País. Ele assumiu o cargo de presidente da Comissão de Arbitragem da CBF na quinta-feira, a dois dias do início do Campeonato Brasileiro.

Aos 51 anos, o ex-árbitro diz que sabe o tamanho do desafio. Nesta entrevista ao Estadão, ele reconhece que a arbitragem nacional precisa melhorar, mas considera que muitas vezes as reclamações de cartolas sobre decisões de jogo "têm muito mais sentido político do que qualquer outra coisa".

Seneme também defendeu o VAR no Brasil. "O VAR dá muita segurança para o futebol. É óbvio que ajustes, que pontos podem ser melhorados e modificados. Agora, não tenha dúvida nenhuma de que é um benefício muito grande", pondera. Confira os principais pontos da entrevista:

Por que o senhor decidiu deixar a Conmebol e assumir a Comissão de Arbitragem da CBF?

Não foi por um motivo único. Primeiro foi o meu ciclo na Conmebol. Foram seis anos que eu estive lá e eu sempre acreditei que a gente vive de ciclos. A gente não pode querer se perpetuar numa função e acredito que depois de seis anos eu contribuí com o desenvolvimento da arbitragem na América do Sul. O segundo motivo é em função da proposta que recebi do presidente Ednaldo, de acreditar na proposta de trabalho que ele tem para a CBF, na mudança que ele quer implementar de uma maneira geral. Isso passa pela arbitragem e a gente sabe que a arbitragem tem um fator importantíssimo para as instituições e a gente espera uma filosofia diferente de arbitragem na CBF. E o terceiro ponto, que fez com que eu tivesse certeza da minha mudança, foi o aspecto familiar. Tenho um filho de nove anos e esposa, que viveram comigo em Assunção. Eu adoro a cidade, sempre fui muito bem tratado, mas é longe de casa, longe dos meus pais. Eu quero estar mais perto deles. A família foi determinante.

É possível fazer um paralelo entre o desafio que o senhor teve seis anos atrás, quando assumiu essa função na Conmebol, e o desafio que terá a partir de agora?

Em alguns aspectos, sim. Em termos de pressão na arbitragem, eu acredito que sim. Agora, em termos de estrutura, a gente pegou uma Conmebol que tinha (somente) uma secretária. Depois de seis anos, a Conmebol tem um centro de referência de VAR e de treinamentos para os árbitros. Onde tinha um heliporto, hoje tem um campo. Em termos de estrutura, a CBF já implementou o VAR - aliás, foi pioneira entre todos os países sul-americanos - já tem uma estrutura centralizada para o VAR, já tem todo um trabalho, uma estrutura de departamento de arbitragem. Talvez a gente tenha que fazer mudanças. Estamos numa fase de avaliação, mas talvez a gente tenha que fazer mudanças. Outro fato similar é o que queria o presidente Alejandro Domínguez e o que quer o Ednaldo, que são coisas muito parecidas. Eles querem melhorar, estão abertos e vão confiar no trabalho. Vão dar respaldo, tempo e condições para que o trabalho se desenvolva.

O senhor foi árbitro por muitos anos, depois teve cargo de dirigente de árbitros na Conmebol, e sabe que as críticas dos cartolas sempre existiram. Nos últimos anos, porém, elas se acentuaram bastante. Pelo que o senhor observou, os dirigentes têm razão nas críticas que vêm sendo feitas à arbitragem brasileira?

Na minha visão, muitas vezes, os dirigentes têm razão. Talvez a maneira e a exposição não sejam as ideais. Eu acredito que as pessoas possam elevar um pouco mais o nível de profissionalismo e buscar as instituições para resolver os problemas. Seria um caminho muito menos desgastante e mais inteligente. Eu penso que a gente não pode levar o futebol brasileiro a níveis de amadorismo, ao contrário, a gente tem que elevar o futebol brasileiro a se tornar cada vez mais profissional. A gente é aberto, sim, às críticas, e a gente sabe que os árbitros não são perfeitos. Mas vamos avaliar realmente o que são erros e o que não são. O que não pode é uma onda constante, como eu estava vendo aqui no Brasil - e eu via de fora - de queixas que às vezes não têm sentido esportivo. Às vezes têm muito mais sentido político do que qualquer outra coisa. Isso a gente não vai aceitar, eu não vou considerar. A gente vai precisar do apoio dos clubes. Esta gestão, que começou ontem (quinta-feira), não pode pagar pelo que fez até ontem. A gente vai trabalhar, não tenho dúvidas que a gente vai melhorar, mas ela não vai ser perfeita. Nenhuma categoria é perfeita. A gente costuma dizer que, para um clube ser campeão, ele tem que superar tudo, as lesões, os adversários, a covid-19, os erros dos árbitros - porque eles não erram só para um. Não se pode transformar a arbitragem em um único ponto de queixa.

Na sua visão, a experiência do VAR no Brasil está sendo satisfatória?

Está sendo muito satisfatória. A gente confirma isso se a gente disser assim: "vamos fazer a próxima rodada sem VAR?". O que será que o mundo do futebol vai achar disso? Eu acredito que as pessoas vão se sentir inseguras. O VAR dá muita segurança para o futebol É óbvio que ajustes, que pontos podem ser melhorados e modificados. Agora, não tenha dúvida nenhuma de que é um benefício muito grande. Os árbitros já estão adaptados, o meio já está, os jogadores já estão adaptados, o público já está entendendo melhor. A gente tem que seguir nisso. É óbvio, e isto está dentro do meu perfil, é que a gente não pode trabalhar em função do VAR...

Uma questão recorrente: há quem diga que o VAR tem servido como "muleta"...

São detalhes, não são todos... Os assistentes são como jogadores, um árbitro é como um jogador. Tem jogador que joga melhor, e tem jogador que não joga tão bem. Mas um campeonato precisa dos dois jogadores. É impossível você ter um campeonato e um clube ter só jogadores que são muito bons. Vão ter os que são melhores, os que são mais ou menos e os que não são tão bons. É a mesma coisa na arbitragem. Então, eu não posso responder que os assistentes estão falhando, e em jogadas em que eles poderiam levantar a bandeirinha eles não estão levantando. Pode acontecer, sim, de alguns serem mais inseguros do que outros. O que a gente vai fazer é fortalecer esses árbitros para que eles não sejam tão inseguros, e escalar mais vezes os que estão seguros. Isto é muito importante. O jogador de futebol joga de acordo com o seu rendimento. E um árbitro deve estar escalado de acordo com o seu rendimento. Quanto mais próximo disso você chega, mais você eleva seu nível de justiça, e mais você obriga os árbitros a melhorar rodada a rodada.

E como será feita essa avaliação?

Isso já existe, essa é uma vantagem que a estrutura da CBF já tem. Já existe um processo de preparação, avaliação e retorno de como foi cada jogo. A gente está avaliando se precisa ajustar algumas coisas. Eu vou estar acompanhando os jogos, a Comissão de Arbitragem vai acompanhar os jogos. Não é algo que a comissão receba dados e vai para o próximo. A gente assiste jogo, se você não assistir jogo você não poderá fazer a função de presidente de Comissão de Arbitragem. Você tem que assistir muitos jogos, para você ser justo com os árbitros.

O senhor acredita que as imagens do VAR devem ser liberadas nos telões dos estádios?

Acho que deveria ser permitido, mas desde que cada estádio tenha a tecnologia suficiente para fazer isso.

Se for possível nos dez estádios da Série A, o senhor é a favor, se não puder, é contra.

Basicamente é isso. É lógico que tudo isso tem que passar por aprovações da Fifa, do Ifab. Isso são opiniões que a gente pode dar e que não são necessariamente algo que iremos fazer.

Vai ser assim no Brasileirão?

No Brasileirão, não. Nos estádios não vai haver essa repetição. A gente pensa nas repetições depois dos jogos, apresentar um trabalho de transparência. A gente fez na Conmebol, e a Conmebol foi a primeira a fazer isso. A CBF implementou no fim do ano, e foi bom, está correto. Os áudios das revisões vão ser publicados, porque é transparência e é um direito da pessoa que pagou, do jogador que jogou entender porque o árbitro mudou ou não uma decisão.

Para finalizar: o Brasileirão começa neste final de semana. Como o senhor gostaria que a arbitragem fosse lembrada ao fim da 38ª rodada?

A gente gostaria que ela não fosse lembrada. A gente gostaria que os outros segmentos do futebol lembrassem dos gols bonitos, das jogadas maravilhosas, e que se falasse pouco da arbitragem. O grande objetivo dos árbitros é influenciar os resultados dos jogos o mínimo possível. Essa é a nossa busca.

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