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Justiça garante à mãe lactante assistir aulas de Direito remotamente

Estadão Conteúdo
25/08/2023 às 16:50.
Atualizado em 25/08/2023 às 16:57

Karênina Alves da Silveira, estudante de Direito e mãe de uma bebê de quatro meses, obteve importante vitória em segunda instância na Justiça em uma ação que abre precedente para outras mães, especialmente as lactantes: assistir remotamente aulas da faculdade, no caso, do curso de Direito.

A decisão foi tomada pelo desembargador Fernando Antônio Tavernard Lima, da 2.ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e acolhe pedido da advogada Lenda Tariana. "Ela (Karênina) vivia um drama: ou amamentava a filha ou frequentava a faculdade", diz Lenda.

Vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional DF, Lenda Tariana também é mãe. Tem uma menina com um ano de idade e enfrenta as adversidades do cotidiano para tornar 'normal' a maternidade e a amamentação.

A ordem do desembargador reverte outra, da 1.ª Vara Cível de Águas Claras, que havia indeferido a medida de urgência para que Karênina pudesse cursar matérias na modalidade virtual/remota, utilizando, para tanto, dos meios tecnológicos já disponíveis na universidade e que estiveram em uso mais amplamente durante a pandemia.

A aluna estudava pelo regime especial de frequência, mas sem ter acesso às aulas, e 'sem o necessário aproveitamento do curso por falha da instituição que não atualizava os conteúdos', segundo sua advogada.

Karênina, de 35 anos, mãe de Maria Antonella, cursa Direito no Mackenzie de Brasília. Ela havia solicitado assistir às aulas remotamente para ter 'melhores condições' de acompanhar o curso. A resposta que obteve, segundo ela, foi de que o regulamento da faculdade não previa aulas em ambiente virtual ou remoto.

Desde o quinto semestre do curso (final da gestação), Karênina havia solicitado à universidade assistir aulas remotamente, com as tecnologias já disponíveis. Seu pleito não foi acolhido. Ela requereu, então, o 'regime especial de frequência' - ocasião em que os professores teriam sido comunicados de que o envio de atividades deveria ocorrer por meio da plataforma 'moodle'.

Segundo a ação de Karênina, 'não obstante os professores tenham recebido o comunicado, e muito embora já soubessem desde o início do semestre que ela estava prestes a ter sua bebê, nenhuma providência foi tomada para incluir conteúdo ou atividades na plataforma'.

Antes de ingressar na Justiça, Karênina formalizou reclamação pelos canais disponíveis para atendimento, sem a solução do problema. A partir de abril, com o nascimento de Maria Antonella, ela se viu obrigada a trancar três das sete matérias que cursava. "Tudo isso lhe trouxe muito transtorno e foi desastroso para os seus estudos", sustenta Lenda Tariana.

Ao insistir em ir às aulas, Karênina alega ter enfrentado, além de carência de estrutura - como 'falta de carteiras em que pudesse se sentar e condições para sentar e cuidar da bebê -, problemas com a hiperlactação. Ela não pode ficar mais de uma hora e meia sem dar leite à filha, 'o que agravou a dificuldade de amamentação em um ambiente de sala de aula'.

A criança tem diagnóstico de intolerância alimentar. "Criou-se assim o drama e o impasse: ou ela amamentava sua filha, ou frequentava a faculdade."

"Para solucionar essa questão tão opressiva para a nossa cliente, invocamos no recurso à segunda instância a proteção aos direitos sociais à educação e à proteção da maternidade", destaca a advogada, amparada em previsão do artigo 6.º da Constituição Federal.

Lenda também embasou seu recurso ao Tribunal de Justiça do DF em outro artigo da Carta - 206, I (respeito ao princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola) e, ainda, artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos que impõe a 'priorização da saúde da prole'.

Lenda Tariana acredita que o caso de Karênina, além de abrir precedente na Justiça, 'aprofunda positivamente o debate na sociedade'.

"Não podemos admitir a exclusão de mulheres de sua formação, quando a tecnologia está aí para apoiar que não tenham prejuízos. Isso não coloca em risco o curso de Direito. Ao contrário, dignifica as instituições", defende a advogada.

Lenda destaca um trecho da decisão do desembargador do Tribunal de Justiça DF. "A agravante (Karênina Alves da Silveira) não pretende se eximir das obrigações de discente (pedagógicas e financeiras), tampouco obter tratamento diferenciado em relação às avaliações e aos requisitos de aproveitamento, os quais devem ser cumpridos de forma isonômica com os demais alunos e de acordo com as regras da instituição de ensino, mas tão somente compatibilizar o período de aleitamento (e as específicas particularidades do caso concreto) com a continuidade dos estudos no curso de Direito."

Sobre a relação contratual entre a aluna e a universidade, o magistrado anotou. "Entrementes, o contrato de prestação de serviços educacionais firmado entre as partes, para esse caso omisso, deve ser interpretado à luz da boa-fé objetiva, o qual impôs às partes da relação contratual a adoção de postura que guarde conformidade com os padrões sociais de ética, correção e transparência, a respeitar a legítima expectativa ali depositada (Código Civil, artigos 421 e 422)."

No entendimento da Lenda Tariana, a decisão reflete 'uma compreensão mais ampla do que a adotada pela primeira instância e em sintonia com as necessidades reais de mulheres, no aspecto da maternidade e do ato de amamentar'.

COM A PALAVRA, O MACKENZIE

Até a publicação deste texto, a reportagem buscou contato com o Instituto, mas sem sucesso. O espaço está aberto para manifestações.

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