Internacional

EUA pausam envio de armamentos à Ucrânia; Rússia comemora, e Kiev se preocupa

Estadão Conteúdo
02/07/2025 às 14:15.
Atualizado em 02/07/2025 às 14:26

O Pentágono suspendeu o envio de alguns mísseis de defesa aérea e outras munições de precisão para a Ucrânia, afirmaram agências de notícias na terça-feira. A Rússia comemorou a decisão, enquanto Kiev demonstrou preocupação.

A pausa imposta pelo governo dos Estados Unidos, grande aliado e fornecedor de armas para a Ucrânia na guerra contra a Rússia, decorreu de preocupações de que os estoques americanos desses armamentos estejam muito baixos,

A Rússia comemorou nesta quarta-feira a decisão anunciada pelo governo dos EUA de interromper parte do envio de ajuda militar à Ucrânia, afirmando que quanto menos armas chegarem ao país do Leste Europeu, mais rápido a guerra terá um fim.

Em Kiev, autoridades demonstraram preocupação com a decisão americana - em um momento em que a ofensiva russa conquista avanços na linha-de-frente, e o compromisso de Washington com a contenção de Moscou parece se esvair em diferentes frentes.

A Casa Branca anunciou na terça-feira que iria suspender parcialmente o envio de armas a Kiev, sob o argumento de "priorizar os interesses dos EUA". A subsecretária de imprensa da Casa Branca, Anna Kelly, afirmou à agência francesa AFP que a decisão foi tomada após "uma revisão do Departamento de Defesa sobre o apoio e a assistência militar" dos EUA a outros países do mundo. A imprensa americana noticiou que a suspensão afetará os envios de mísseis e projéteis de defesa aérea.

A medida teve repercussão quase imediata em Kiev e Moscou. Enquanto os russos reagiram positivamente à determinação de Washington, autoridades ucranianas tentaram apontar que sem o apoio americano, o esforço de guerra para conter o avanço russo seria profundamente prejudicado.

"Quanto menos armas forem enviadas à Ucrânia, mais perto estará o fim da operação militar especial", disse o principal porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, ao ser questionado nesta quarta-feira, usando o termo pelo qual Moscou se refere à guerra.

Do lado ucraniano, as autoridades ainda tentam avaliar o impacto da medida. O assessor presidencial Dmitro Litvin afirmou a repórteres nesta quarta que o governo está "esclarecendo" com os americanos o que estaria incluído na suspensão dos envios de equipamentos de defesa. Em paralelo, o Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia convocou o encarregado de negócios americano no país, John Ginkel, para enfatizar a "importância crítica" do fornecimento de equipamentos americanos.

"O lado ucraniano enfatizou que qualquer atraso no apoio às capacidades de defesa da Ucrânia apenas encorajaria o agressor a continuar a guerra e o terror, em vez de buscar a paz", disse a chancelaria em um comunicado.

Uma fonte do alto escalão militar ucraniana, ouvida em anonimato pela AFP, afirmou que o país teria dificuldades para se defender dos ataques russos sem a munição americana. Ela relatou à agência francesa que, neste momento, o país depende "seriamente" do fornecimento bélico dos EUA, apesar dos esforços da Europa para aumentar a ajuda enviada. "Será difícil para nós sem munição americana", disse a fonte.

Dificuldades no campo de batalha

As tropas russas avançam de forma consistente sobre o território ucraniano há meses. Dados do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês), apontam que Moscou acelerou seus avanços militares pelo terceiro mês consecutivo em junho, mês em que também registrou sua maior progressão desde novembro, conquistando 588 km² de território.

A maior parte do avanço registrado no mês passado ocorreu na província de Donestk - uma das quatro anexadas pela Rússia desde fevereiro de 2022. O equivalente a 3/4 da região está ocupada pelas tropas russas, de acordo com os dados do ISW. Avanços significativos também foram registrados em outras áreas.

Além dos avanços por terra, Moscou também reforçou suas ofensivas por ar. Uma análise publicada pela AFP na terça-feira apontou que o número de drones de longo alcance disparados contra a Ucrânia aumentou 36,8% em junho em comparação com o mês anterior, forçando as capacidades defensivas de Kiev - e fazendo-a queimar ainda mais munição antiaérea.

De acordo com dados publicados diariamente pelo Exército ucraniano, a Rússia lançou 5.438 drones de longo alcance contra seu território em junho, um recorde desde o início da invasão da ex-república soviética em 2022. Para fins de comparação, Moscou lançou 3.974 desses dispositivos em maio.

Menos ajuda militar, menos sanções

A aliança ocidental que apoia a Ucrânia enfrenta problemas para coordenar suas ações desde que o presidente americano, Donald Trump, retornou à Casa Branca. Ao mesmo tempo em que pressionou países amigos em diferentes frentes - exigiu que os integrantes europeus da Otan aumentassem seus investimentos em Defesa, ameaçando não cumprir com o tratado de defesa coletiva, e entrou em atrito com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para concordar com as negociações de paz, chegando a sugerir que aceitasse perder território -, ele também afrouxou certas pressões impostas à Rússia.

Desde janeiro, os EUA não emitiram nenhuma nova sanção contra a Rússia pela invasão da Ucrânia, que ao longo dos primeiros anos de guerra reduziram a capacidade dos russos de fazerem negócios e respirarem financeiramente. Sem novas medidas, analistas apontam que as sanções vigentes perdem a eficácia, pois novas empresas de fachada canalizam fundos e componentes críticos para Moscou, incluindo chips de computador e equipamentos militares.

Uma análise do jornal americano The New York Times com base em registros de comércio, listas online e registros corporativos identificou mais de 130 empresas na China e em Hong Kong que anunciam vendas imediatas de chips de computador restritos para a Rússia e que não estão sob sanções.

"A abordagem de Trump à diplomacia econômica é impor pressão, obter vantagem e tentar conseguir o melhor acordo possível", disse Edward Fishman, pesquisador sênior do Centro de Política Energética Global da Universidade Columbia. "Por alguma razão, com a Rússia ele não quer ter nenhuma alavanca sobre Putin".

Em alguns casos, o governo americano chegou a retirar sanções. Em abril, o Departamento do Tesouro - responsável por administrar e aplicar as reprimendas financeiras - suspendeu silenciosamente as sanções impostas a Karina Rotenberg, esposa do oligarca russo Boris Rotenberg, que fez fortuna nos setores de construção e energia e é amigo de infância de Vladimir Putin. O anúncio, escondido no final de um boletim rotineiro, não deu explicações sobre a retirada.

Em fevereiro, o Departamento de Justiça encerrou a força-tarefa KleptoCapture, criada em 2022 para identificar e confiscar bens de oligarcas russos ao redor do mundo que estivessem sob sanções. A força-tarefa coordenava investigações entre agências, levando à apreensão de iates de luxo, imóveis e jatos particulares. O Departamento de Justiça criou recentemente uma força-tarefa com estrutura semelhante para se concentrar no Hamas, segundo Andrew Adams, ex-chefe da KleptoCapture.

'Ofensiva de verão' da Rússia

Nesta semana, a Rússia lançou a tão propalada "ofensiva de verão" no leste da Ucrânia, e avança lentamente mesmo com vantagem em número de soldados, projéteis de artilharia e mísseis. Os próximos meses serão cruciais na tentativa do presidente Vladimir Putin de forçar a capitulação de Kiev.

Enquanto as divergências afetam a aliança em torno da Ucrânia, a Rússia parece contar com uma colaboração crescente de um de seus poucos aliados. Uma avaliação da inteligência ucraniana que a rede americana CNN aponta que a Coreia do Norte, que fortaleceu relações com Moscou durante a guerra, estaria disposta a enviar um número estimado de 30 mil militares para reforçar o esforço de guerra russo.

Um analista ouvido pela emissora afirmou que o número parecia muito elevado, comparando com o contingente anterior, de entre 10 mil e 15 mil, que teriam sido enviados anteriormente por Pyongyang. Ele estimou que um número mais realista estaria entre 10 mil e 20 mil.

Mas o progresso da Rússia nos últimos dois anos contra a Ucrânia tem sido lento, especialmente em comparação com os recentes ataques relâmpagos de Israel contra o Irã, um país muito maior. A razão, segundo especialistas, é o estado das forças armadas russas - um problema de longa data.

O analista militar russo independente Ian Matveev prevê que a ofensiva de verão da Rússia não levará a um avanço drástico, mas pode render milhares de quilômetros quadrados de território. As forças armadas russas são incapazes de conduzir operações complexas na Ucrânia, disse ele, devido à fraquezas na inteligência militar, escassez, corrupção, falhas logísticas e treinamento deficiente.

"Essas táticas [de ataque em massa] são a única coisa que as forças armadas russas são capazes de fazer no momento. E é muito desumano, porque, na verdade, a Rússia está trocando pessoas mortas por território. O que temos no exército russo agora é um grande número de soldados, mas eles não têm treinamento".

Blogueiros militares russos e reportagens da mídia independente no Telegram nos últimos meses apresentaram um retrato consistente de uma cultura militar problemática, entre elas generais que fazem alegações falsas sobre a conquista de aldeias, soldados sendo enviados para "ataques suicidas" sem pensar na sobrevivência deles e transporte e logística precários nas linhas de frente, resultando na morte de soldados feridos.

Os comandantes são frequentemente descritos como corruptos - com a exigência de subornos para poupar soldados de ataques letais e com regimes de punição, como aprisionar soldados ou "zerá-los", na prática matá-los ou enviá-los para ataques suicidas.

O resultado, dizem esses blogueiros, é um moral baixo, deserções, alcoolismo e abuso de drogas generalizados entre as tropas russas.

(Com agências internacionais)

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por