HENRIQUE NUNES

Afaguem o Ganso com moderação

Henrique Nunes
21/05/2014 às 21:53.
Atualizado em 24/04/2022 às 12:41

Coço a cabeça, penso na vida, esta estrada muito mais estranha que a ficção. Olho para o que dizem e, por não ter o que dizer, então, apenas escuto, como que a vasculhar num secos e molhados alguma resposta para o incessante afagar da imprensa boleira no saco supostamente cheio de surpresas de Paulo Henrique Ganso. A devoção é tamanha que chego a pensar que estou no canal errado, num desses programas humorísticos com piadas tão prontas quanto as repostas dadas pelos jogadores a cada rodada.Chamar o cara de “diferenciado” é como trair a confiança de uma mulher no elogio desleixado do cabelo mal cortado. A diferença é que, diante de um desafio no campo dos relacionamentos, a sinceridade nem sempre precisa vir à tona.Mas vamos supor que Paulo Henrique Ganso seja mesmo diferente e o que os números (devidamente levantados no site de estatísticas Footstats) estejam distorcidos ou manipulados. Ou que os jornalistas apaixonados pelo menino de Ananindeua apenas esqueceram de checar no todo o futebol-metonímia que vemos apenas em parte a cada, vá lá, cinco rodadas ou seis rodadas.Porque chega a ser inacreditável que Ganso tenha ganhado de presente da imprensa a camisa 10 da Seleção Brasileira sem ao menos aparecer entre os 10 melhores jogadores do Brasileiro nos fundamentos que a sua posição exige. No quesito passes certos, por exemplo, ele está atrás até mesmo do colega de clube Maicon. Nas finalizações, seu nome sequer é cogitado numa lista que tem Rafael Sóbis do Fluminense como líder disparado. O mesmo se repete nos dribles, lançamentos, cruzamentos, viradas de jogo e, claro, gols marcados — foram dois até agora.Contra números não há argumentos, não é? Bem, no futebol, calculadora não tem vaga garantida dentro de campo, irão dizer os membros do clubinho organizado cujo lema deveria ser “Nós adoramos afagar o Ganso”. Jornalista-tiete nenhum consegue admitir que o meia não é nem nunca será Zinedine Zidane — com quem teve a ousadia de se comparar.Pode parecer estranho, suspeito, até mesmo idiota, mas podem acreditar: eu também gostaria de afagar o Ganso. Mas não dá. E isso não tem nada a ver com os números. É, no fundo, apenas cautela de quem tem de correr no limite e aprende a dar valor às miudezas de cada dia. Dessas que dentro de campo nem chegam a ser percebidas, mas que carregam consigo muito mais valor que a única fagulha de glória a que temos direito.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por