AQUILES REIS

A voz e o violão

'Pós Você e Eu' (selo Circus), álbum que junta Lívia Nestrovski (voz) e Arthur Nestrovski (violão)

Aquiles Rique Reis
correiopontocom@rac.com.br
12/07/2016 às 21:37.
Atualizado em 22/04/2022 às 23:40

Quando o carteiro me entregou o envelope, jamais eu poderia imaginar que seu conteúdo fosse capaz de provocar o feitiço que, vez por outra, me domina, uma alucinação auditiva que percorre meus sentidos, esfrangalhando-os; uma fantasia delirante que me arrepia e acelera. Tudo resumido em quatro palavras: 'Pós Você e Eu' (selo Circus), álbum que junta Lívia Nestrovski (voz) e Arthur Nestrovski (violão). A voz de Lívia soa como se mantivesse uma suposta distância de sua garganta e adquirisse vida própria. Sua voz vibra como que demonstrando que tem vida própria, que vibra como se fora um episódio sobrenatural, impossível de ser traduzido, nem sequer explicado. Já o violão de Arthur repercute como um acalanto imaginário. Seus dedos vão às cordas como quem trança laços de atar e abrigar. A sonoridade resultante de seu virtuosismo ecoa como palavras que servem como escudo que haverá de proteger e alertar para as misérias da vida. Com seu instrumento, Arthur não só acompanha, se faz presente. Lívia e Arthur têm muito mais em comum do que a música, arte à qual se entregam com aptidão e perfeição: são pai e filha, filha e pai. Seus laços são mais do que sanguíneos, são outorgados pela música registrada no pentagrama da existência. Música que lhes serve não apenas como meio de se comunicar com o mundo, mas também como forma de se expor um ao outro. 'Pós Você e Eu', de Arthur Nestrovski e Luiz Tatit, de cujos versos vem o título do disco, abre o trabalho e tem voz e violão numa grande interpretação. Lívia impregna os versos da mais plena doçura e Arthur lhe entrega seu violão, apoiando-a, permitindo-lhe que expresse a sua musicalidade por inteiro: única, com vibrato e respiração postos na hora certa, afinada... uma intérprete majestosa! 'Serenata' (versão de Arthur para 'Ständchen', de Franz Schubert e Ludwig Rellstab) tem sabor de canção brasileira. A delicadeza volta a imperar. Os agudos vêm fáceis, certeiros. O violão acompanha e, num intermezzo fascinante, se faz ainda mais parceiro da voz. 'Londrina' (Arrigo Barnabé). Os parceiros se complementam. O violão e a voz geram andamentos suaves, contrastando com a inventividade harmônica e melódica da música, numa nova maneira de abordá-la. Já as clássicas 'Folha Morta' (Ari Barroso) e 'Molambo' (Jaime Florence e Augusto Mesquita) ganharam versão mais para fora, com a voz demostrando potência, o que destoa um pouco das interpretações presentes nas outras nove faixas. 'Pra que Chorar' (versão de Arthur para 'Ich Grolle Nicht', de Robert Schumann e Heinrich Heine) tem Lívia murmurando sons aleatórios (quase vocalises) que a sensibilidade de Cacá Machado (produtor musical) houve por bem deixar registrados. São carinhos e afetos trocados, tocados e cantados. São voz e mãos juntadas em extraordinária amorosidade, tudo despontando fervoroso, numa formidável interação musical, através da qual Lívia e Arthur se despem de qualquer presunção ou egocentrismo. Meu Deus!

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