Instituto forma ex-presos para trabalhar na construção civil e ajuda egressos a resgatar dignidade
Quando eles deixam a prisão, querem outra vida. Sonham trabalhar, fazer novas amizades, reconquistar a confiança de parentes. Mas encontram quase todas as portas fechadas. As pessoas se afastam. É difícil conseguir emprego. Uns mergulham na depressão. Muitos voltam à rotina de crimes que os tinha levado à cadeia. É como se o ex-preso estivesse condenado para sempre. Mas, há três anos, nasceu em Campinas um projeto que aos poucos transforma essa realidade, e serve de alento a egressos do sistema prisional e suas famílias. Os ex-presidiários fazem cursos de qualificação profissional e aprendem técnicas básicas de construção civil. Com o trabalho, resgatam a dignidade. A ação social do Insituto Avalon funciona em anexos de uma sociedade de amigos da Vila Iapi, bairro de casas populares encravado na Vila Teixeira, construído em meados do século passado para servir de moradia a aposentados da indústria. No próprio terreno e pelos galpões se espalham canteiros de obras. Cômodos antigos são reformados. Os aprendizes trocam o piso, substituem canos, instalam torneiras e fios elétricos, pintam paredes. E, entre os próprios mestres, há voluntários que se ofereceram para ajudar, sem ganhar um tostão. Ninguém do instituto se preocupa em saber os motivos que levaram os jovens à prisão. Até porque o passado precisa ser apagado. Mas, diante das perguntas inevitáveis da reportagem, os egressos contam episódios difíceis. Quase todos relacionados ao tráfico de drogas. Alguns eram usuários, e se ofereciam para entregar drogas e manter a própria adicção. Outros repassavam drogas simplesmente porque não tinham dinheiro no bolso. E pelo canteiro de obras circulam até mulheres envolvidas no mesmo tipo de crime. Quando optaram por formar mão de obra para a construção civil, os organizadores foram práticos: poucos setores da economia geram tanto emprego. Além disso, não se exige mão de obra altamente especializada. O profissional pode ser formado em cursos rápidos e se aprimora com a prática, na própria construção. Aptidões são despertadas e talentos, revelados. O curso de hidráulica, por exemplo, é ministrado ao longo de quatro semanas. Todos os dias, os egressos passam oito horas nas aulas. E são orientados pelo professor Dirceu Reis, paulistano que se mudou para Campinas há seis anos e é funcionário contratado do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). De manhã e à tarde, ele leciona no Avalon. À noite, forma turmas no próprio Senai. E não vê diferenças entre os alunos. Adora colaborar com a reinserção social dos egressos. Confessa, aliás, que seu maior prazer é reencontrar antigos alunos trabalhando, ganhando a vida. Divertido, ele gargalha de lembrar um episódio divertido, quando perdeu um serviço porque, segundo o contratante, seu preço era muito alto. Ao passar pelo outro andar do prédio, onde já se apresentava o encanador contratado, Reis viu que se tratava de um ex-aluno. “Eu perdi o trabalho e a remuneração. Mas deixei a obra feliz da vida de ver que eu consegui ajudar alguém a ter um ofício, a ganhar a vida dignamente”, fala. Para a Sociedade Beneficente dos Amigos da Vila Iapi, associação fundada em 1971, o convênio o com o Instituto foi muito bem-vindo. Ao mesmo tempo que se aprimoram no trabalho lá fora, os egressos fazem a manutenção das próprias dependências da sociedade, onde acontecem festas, eventos culturais e esportivos. Alunos ganham cesta básica e bolsa de estudo O Instituto Avalon nasceu em fevereiro de 2010, com a proposta de oferecer qualificação profissional no setor da construção civil a egressos do sistema prisional. Segundo o coordenador-executivo, Christiano Nogueira, o Projeto Construindo Novas Vidas chegou para compensar a falta de políticas públicas na área. São formados pedreiros, serventes, encanadores, eletricistas, carpinteiros e pintores de parede. Os alunos ganham alimentação, transporte, cestas básica e uma bolsa de estudos mensal, atualmente de R$ 700,00. Durante o treinamento, recebem equipamentos de proteção individual, têm acompanhamento médico e participam de palestras. Qualquer cidadão que tenha sido preso, em qualquer época, pode se matricular. Se sobram vagas na turma, elas são abertas à comunidade, mas sem os benefícios de auxílio, que são exclusivos a ex-presos. O projeto é mantido, desde a sua criação, com recursos da Petrobras, que patrocina em todo o País programas de incentivo à geração de renda e oportunidade de trabalho, educação para a qualificação profissional e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. Para receber os repasses, a entidade campineira presta contas detalhadas, mês a mês, sobre a contratação de professores, a oferta de benefícios sociais e a compra de materiais. A vice-presidente, Joana Silveira, informa que a entidade já procura convênios com construtoras para a contratação de pedreiros formados. O objetivo é mostrar ao empregador que ele pode, inclusive, ter benefícios fiscais com a contratação de egressos do sistema prisional. Além disso, os formados agora serão incentivados a formar cooperativas de prestação de serviço. Ex-presos serão donos do próprio negócio. No futuro, o Avalon pretende ampliar a oferta de cursos de qualificação profissional para outras áreas, além da construção civil. Ex-presidiário monta o próprio negócio e planeja o casamento Em quatro meses de trabalho, Marcelo revestiu os cinco cômodos, ergueu o muro de arrimo da garagem, fez todas as instalações elétricas. E, depois de pintar as paredes da edícula, já tem outras duas obras contratadas. A vida do rapaz mudou completamente, e para melhor, nos últimos nove meses. Marcelo Lima de Oliveira, de 33 anos, alagoano, mora em Campinas desde criancinha. Adolescente, se envolveu com o crime. Entregava drogas nas biqueiras, roubava carros. Ficou preso quase sete anos. E, dentro da cadeia, ouvindo o pastor no rádio, se converteu. Assim que deixou a cela, entrou para uma igreja evangélica campineira no Centro. Também começou a fazer cursos de qualificação profissional no Avalon. Hoje, ele divide o próprio tempo apresentando programas de rádio da igreja e amassando argamassa em construções pela cidade toda. Para o futuro breve, ele quer se casar com a namorada Kelly. Só não sonha com registro em carteira. Não que falte interesse de empregadores. Marcelo descobriu que ganha mais trabalhando por conta, sem patrão. E ele quer aproveitar cada minuto livre para reconstruir a própria história.