Lembro dos jovens se manifestando nas praças e sei, muito bem, da solidão que ainda terei pela frente, das minhas indignações futuras, do tédio político que tenta subornar o meu espírito cívico, da minha desesperança democrática, do ir e vir dos meus passos pelas calçadas do meu país, todos os dias, sair da cama e me arrumar para a estética da minha companheira, que arruma meu colarinho, santa que é no fazer do meu café e que obriga a comer duas fatias de um pão integral, tudo leve e integral, pois estou além do meu peso e as palavras não pesam quase nada nos meus neurônios e a saudade também não pesa, senão as notícias dadas e todas elas me lembram o saudoso poeta Oswaldo Guilherme, o mago dos sambas-canções, o amigo que se fez meu pai e sempre me aconselhou a fugir dos políticos e das licenças poéticas, e assim venho observando a ausência de uma boa história na nossa música, me reverenciando diante do busto de Guilherme de Almeida e lembrando da sua amada Baby de Almeida trocando tertúlias com a poeta Conceição de Arruda Toledo, certa noite, ela tão pequenina, e elegante, de cabelos leves e docemente azulados, olhos claros, enquanto Jota Toledo, saudoso amigo e filho da Conceição, se extasiava diante de uma Musa em carne e osso, ali na sua frente, e assim se explicava a alguns poucos privilegiados, como eu, que nem todos os corruptos e a corrupção dos homens, nem todos os ditadores que o mundo já conheceu, nem todos os genocidas, nem mesmo o mais reles ladrão de galinhas saberia da beleza que a mulher provoca nos homens de boa prosa e poesia, pois os ladrões podem roubar do que é do alheio apenas o dinheiro, mas jamais suas emoções, suas lembranças de infância, o seu primeiro beijo, e, sem dúvida, a sua decepção política, e esta é a herança social que alguém irá levar para os restos dos seus dias, e sempre tentando aconselhar seus filhos e netos para os perigos da vida fácil da bandidagem principalmente política e protegida por leis legalmente constituídas e prostituídas por interesses próprios, bastardas na origem por certo, mas jamais compreendidas como legalmente imorais, assim como o filho espia a mãe pelo buraco da fechadura, assim como vai depois o filho, agora adulto, buscar o lenitivo em um divã psicanalítico, o que nada o redime de seu caráter, a não ser que assuma perante os dias que terá pela frente, e caráter é o que desejo ver nas assembleias do meu país, nos encontros dos companheiros de esquinas e bar, nas canções dos nossos poetas populares que falam do mesmo amor e paixão já cantados, e sempre serão assim, mesmo porque não há nada mais misterioso na vida do que o amor e a paixão, mas que os novos compositores entendam que além do amor e da paixão há um país a ser cuidado como se fosse uma criança, pois assim é a democracia e a liberdade de cada indivíduo, visto que a lei é fria e a canção e a poesia são um cobertor que aquece nossas esperanças por melhores dias e noites, algo assim como oferecer orações a alguém já morto, ou uma pequena moeda para um pedinte de semáforo, com ou sem culpa, pois a vida é assim como ela se apresenta, em nossas ruas, cama e mesa, todos os dias, a mesma caneca com café e leite, pão e manteiga, as mesmas migalhas que deixamos sempre sobre a toalha americana, o que, pelo menos no meu caso, não vai contribuir com as calorias que já tenho em excesso, além do que mais me indignam os planos violentos que jamais pensei estarem guardados em meus neurônios que, até agora, pensei pacíficos e amorosos, constatação que me faz parar por aqui, não por cansaço, mas por falta de espaço e muita vergonha na alma.
Bom dia.