ZEZA AMARAL

A vergonha das chuteiras

Zeza Amaral
20/05/2013 às 20:25.
Atualizado em 25/04/2022 às 15:17

Já tive muitos medos na vida e quase todos se referem quando o adversário se posiciona para bater um escanteio. Escrevo isso — e a ideia se perde — quando Rildo cruza rasteiro para o William marcar o segundo gol contra o Penapolense. Uma hora e meia atrás perdi um texto completo por conta dessa tecnologia moderna — e William acaba de marcar o terceiro gol, de pênalti — e liguei para o Suporte pedindo ajuda.

O tempo não existe no mundo virtual e é tudo o que um time tem para vencer uma partida de noventa minutos.

No texto perdido, assim como se perde um pênalti, eu estava lembrando da Portuguesa Santista e do Jabaquara, os únicos times (e também o Santos) que não fazem parte do Interior paulista.

Estava querendo dizer que a Federação Paulista de Futebol, assim como a crônica dita esportiva, não sabe nada de geografia. E bem os portugueses santistas acharam por bem fundar o seu próprio clube e não é por nada que um dos maiores sobrenomes brasileiros é o da Costa (que se refere ao litoral); e o segundo, Silva (que se refere aos portugueses que se embrenharam mata atlântica adentro, silva, silvícola, e que tanto bem fizeram para a miscigenação tupiniquim).

Mas não há como explicar isso aos nossos cartolas do futebol, pois que misturam suas vidas pessoais com os cofres de suas entidades e, o que é pior, com o dinheiro público.

No texto perdido também falava do Clube Atlético Ypiranga, onde meu pai jogou uns tempos na zaga, isso nos anos quarenta, e que desapareceu do futebol paulista ao ser rebaixado, em 1959, para a segunda divisão. Em um dos raros momentos em que o meu pai falava de futebol, ouvi dele que o Ypiranga tomou tal decisão porque tinha vergonha nas chuteiras.

Já vi Pelé e Garrincha jogarem; já vi Pepe fazendo gol de falta do meio de campo; vi Pitico não deixar Pelé jogar; e meu pai lamentava que não tinha visto Arthur Friedenreich jogar pelo seu mesmo Ypiranga, artilheiro do Campeonato Paulista de 1914 e 1917, mas bem tinha orgulho de ter conhecido o goleiro Barbosa, revelado no Ypiranga e injustiçado na Seleção Brasileira de 1950. Depois disso, meu pai era lacônico a respeito do futebol e dele meio que herdei as caneleiras de couro que usara na juventude para me proteger no futuro.

Encerro a crônica sem saber se a Ponte Preta ganhou ou não a Taça do Interior. E tampouco quero saber quem ganhou o Paulistão. Bom mesmo foi visitar a memória e nela encontrar, mais uma vez, o bom homem que foi o meu pai, agora sem as dores da saudade. Afinal, boa lembrança não é saudade; e saudade é coisa que dói demais.

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