MODERNIDADE

A SUPERCOZINHA

Gadgets culinários chegam às bancadas domésticas e transformam práticas cotidianas em experiências tecnológicas

Érica Araium
21/04/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 19:46

Que utensílios e equipamentos são indispensáveis numa cozinha moderna? Depende. Se o cozinheiro for aspirante a chef, o número de gadgets culinários tende a ser, naturalmente, maior. Já alguém que pilota o fogão duas ou três vezes por semana, por exemplo, provavelmente, postergará a compra de uma batedeira planetária de última geração, aquela "dos sonhos" de um confeiteiro.

"O que vale, portanto, é a lógica da relação necessidade versus uso, o grau de intimidade que se tem com a cozinha e o que se pretende executar nela", observa o professor de gastronomia da Universidade São Francisco de Campinas (USF-Campinas) Marcelo Bergwerk (foto). 

Ocorre que o acesso a alguns itens que até pouco tempo eram de uso exclusivo dos cozinheiros profissionais está cada vez mais fácil. Quem poderia imaginar, afinal, que até a Thermomix (espécie de robô desenvolvido pela alemã Vorwerk que substitui 24 utensílios e portáteis) chegaria às lojas com status de eletrodoméstico? "Se esse gadget vai pegar ou não, é difícil prever. O custo ainda é bastante elevado", pondera. Segundo a distribuidora no Brasil, o "brinquedo" custará cerca de R$ 5 mil.

"O que pesa é que a cozinha, quase sempre vista como lugar de sofrimento, voltou a se tornar o centro da casa. As pessoas estão dispostas a se valer da tecnologia para economizar esforço e tempo numa nova rotina que inclui o bem receber. Querem cozinhar com prazer", pondera o docente.

Fato é que diversos equipamentos que surgiram por "acidente" nos ambientes científico/tecnológico ganharam aplicação doméstica depois de serem testados em restaurantes e redesenhados pela indústria de eletrodomésticos. Caso clássico e revolucionário? O do forno de micro-ondas, desenvolvido na década de 1940, nos Estados Unidos. "A partir de 1965, os fabricantes apostaram em modelos menores, o equipamento ganhou uso doméstico, novas funções e se popularizou. Descongelar, aquecer e cozinhar alimentos ficou mais fácil", situa Bergwerk.

E o que dizer da evolução dos acessórios? Talvez seja a faca o utensílio de cozinha mais antigo de que se tem registro – remonta a 2 milhões de anos, antes do domínio do fogo que nos tornou humanos, lá pelas bandas etíopes. O garfo tão parceiro de lida, porém, só surgiu no século 11, na Europa, e se popularizou no século 17, graças aos italianos e ao macarrão, mudando hábitos e modos à mesa. Entre panelas, pilões, colheres de pau, ramequins, fouets e afins, um sem fim de possibilidades passou a coexistir nos armários. Difícil é saber quando, onde, por que e para que usar cada apetrecho sem se deixar levar por modismos.

No final do ano passado, a historiadora inglesa Bee Wilson, especialista em gastronomia, acendeu essa discussão "antropológica" ao lançar o livro Consider The Fork (Considere o Garfo), compêndio esmiuçado acerca do "darwinismo culinário". Além de distribuir os itens numa espécie de linha do tempo – da Pré-História à atualidade -, listando sobreviventes, rejeitados e futuristas, a autora discorre sobre a maneira como o comer se modificou.

Utilidade e adaptação: leis da sobrevivência

 

Bee Wilson e especialistas como Felipe Vianna, coordenador de desenvolvimento da área de gastronomia do Senac-São Paulo, apontam que a revolução dos acessórios se deve muito ao desenvolvimento e à aplicação de novos materiais. "Sobretudo na última década, as necessidades de adequação dos utensílios para atender à legislação vigente no que tange a higiene, manipulação de alimentos e segurança alimentar mudaram a fabricação e o uso deles no mundo todo", afirma.

Talheres de prata perderam espaço para os de aço inox – e, hoje, há praticamente um tipo diferente para ajudar a manejar cada bocado. O famoso batedor de ovos, que nasceu como uma mola com cabo de madeira por volta de 1870, avançou aos modelos longos de inox cortados ao meio e, mesmo com o advento da batedeira elétrica, persistiu, versátil.

As panelas, que surgiram fixas, feitas de pedra na América do Sul 10 mil anos a.C., como alternativa a conchas de moluscos e répteis, sortiram em formas e materiais, e influenciaram as técnicas de cocção. As da Le Creuset, consideradas as melhores por muitos cozinheiros, brilham no segmento de caçarolas de ferro fundido esmaltadas.

Já a incompreendida colher de pau... "Ela não deveria ser usada em qualquer cozinha (das profissionais, foi banida) pois, pelo fato de o material ser poroso, há maior risco de contaminação alimentar", lembra Vianna. Versões em polietileno, silicone e outros materiais deveriam substituí-las, ok. Mas quem não tem uma original em casa?

Na área da cutelaria, outro exemplo controverso. Muito tem se falado das vantagens das facas de cerâmica, mais precisas e leves do que as de aço inoxidável. "Não enferrujam, não deformam nem perdem o fio, e já estão sendo desenvolvidas para diferentes usos. São ótimas. Mas a maioria dos chefs não se adaptou a elas porque, na lida dura, quebram com facilidade", pondera a chef Andréia Pimentel, coordenadora do curso de gastronomia da USF-Campinas. Noutras palavras, a "sobrevivência" de um utensílio depende também do ponto de vista ou do repertório do cozinheiro.

Do laboratório à sua casa

Sobre os apetrechos miúdos, que independem de eletricidade, o doutor em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Carlos Alberto Dória, autor de diversos livros de gastronomia, pondera em A Culinária Materialista – Construção Racional do Alimento e do Prazer Gastronômico (Editora Senac-São Paulo): "Cada um desses objetos foi inventado por alguém que se orientou pelo desejo de racionalizar um gesto culinário, facilitando a repetição." O que seria do processador se não houvesse mandolines? E do cilindro de pasta se não houvesse o rolo de macarrão?

Thermomix (foto), Gastrovac, Pacojet, Germinador, Sous Vide, termocirculador, forno combinado e outros gadgets modernos "estão relacionados às necessidades de chefs e cozinheiros desenvolverem, com algum caráter experimental, procedimentos que permitam um controle mais fino sobre o fazer culinário (...) dando nova qualidade ao que se faz", aponta Dória.

Se hoje eles estão mais sobre as bancadas das altas cozinhas e se, daqui alguns anos, serão adaptados e desenvolvidos em escala industrial, é cozinhar para ver.

Acessórios úteis 

A pedido da Metrópole, o professor de gastronomia da USF-Campinas Marcelo Bergwerk listou alguns itens que, afora o óbvio (panelas, facas, colheres, etc) considera indispensáveis na cozinha doméstica moderna. Confira: 

Mixer: é como se fosse um liquidificador de mão. Pode ir diretamente em copos, jarras e panelas, acelerando o tempo de preparo e possibilitando a elaboração de purês e sopas cremosos, além de brownies na consistência correta. 

Processador: a criação data de 1970, quando já se buscava agilidade e praticidade na cozinha. Dotados de lâminas de diversos formatos, utilidades e potências, fatia, corta, rala e tritura. Há versões que fazem as vezes de liquidificador e extrator de frutas, entre outros equipamentos. 

Tijelas (bowls): de vidro, plástico ou inox, o ideal é tê-las nas três versões de material. Servem para armazenar, separar e preparar os alimentos, sejam as bases, para fazer um banho-maria, entre outras finalidades.  

Fouet: deve ser preferencialmente de inox, material mais resistente e que não solta resíduos nos alimentos. Curinga para quem quer salvar um molho empelotado ou impedir que isso aconteça. Ainda se presta ao batimento de claras em neve, chantilly e mais. 

Tábua para corte: em polietileno ou bambu, o idela é ter uma para cada tipo de alimento (legumes e frutas, carnes, peixes) a fim de não contaminá-los. Evite os de madeira. São anti-higiênicos por permitirem a proliferação de micro-organismos e reterem odores.  

Maçarico: para os adeptos da cozinha gourmet, finalizam cremes brûlées, tortas merengadas e frutas açucaradas, derretem e gratinam queijos, entre outras preparações com toque final diferenciado. 

Cilindro de massas: enquanto o antigo rolo exige certa flexibilidade e força manual, o cilindro faz o serviço de abrir massas e pastas como lasanhas e raviólis com precisão e facilidade. Ideal também para abrir massas doces, como as de torta e biscoito. 

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