Pesquisadora do Instituto de Psiquiatria da USP fala do ciúme nas relações amorosas, familiares, entre pais e filhos, irmãos e amigos
Em pleno século 21, era da modernidade, das redes sociais e de infindáveis avanços tecnológicos, o ser humano continua atormentado por instintos mais básicos, como o de posse e domínio sobre outra pessoa.
Assunto mais que retratado em folhetins na televisão, povoa também as páginas policiais e pautam programas jornalísticos especializados em violência. Entre os comportamentos que mais ganham destaque na mídia está o ciúme excessivo. Quem sofre mais com a violência desencadeada pelo ciúme é a mulher.
Uma pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP), da Universidade de São Paulo (SP) mostra que a violência corresponde a 15,4% dos crimes contra a mulher no Brasil. Em 57,3% das ocorrências, as vítimas tinham menos de 30 anos.
A psicóloga Christine Harris, da Universidade da Califórnia (EUA), acredita que o mais provável é que o ciúme tenha evoluído de um contexto diverso do acasalamento, como, por exemplo, uma resposta à concorrência entre irmãos, isto é, à percepção de que dividir – e competir – pelos recursos paternos. A rivalidade infantil tem, aliás, fornecido algumas pistas sobre o desenvolvimento do ciúme.
O ciúme não é um sentimento vivido apenas entre casais, sejam eles hétero ou homoafetivos. A psicóloga Sybil Hart, da Universidade Texas Tech (EUA) estudou bebês com até seis meses de idade e relatou que eles exibem expressões faciais negativas quando veem a mãe interagindo com uma boneca. Isso sugere que não é preciso ter um sistema cognitivo maduro para demonstrar forma primárias de ciúme.
Outro estudo semelhante, feito com crianças de quatro anos, mostrou que as reações negativas eram mais intensas quando viam a mãe com outras crianças da sua idade. E o ciúme não para por aí, podendo se estender a relações entre amigos, familiares e até mesmo no ambiente de trabalho. De acordo com Andrea Lorena, psicóloga e pesquisadora de ciúme excessivo do Laboratório Integrado dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti) do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), "o ciúme acontece tanto nas relações amorosas quanto familiares, entre pais e filhos, irmãos, amigos e colegas de trabalho".
O assunto foi aprofundado na revista especializada Mente e Cérebro. No texto Cego de Ciúme, Andrea aborda a questão do ciúme doentio. De acordo com a especialista, "o ciúme normal é transitório e se baseia em ameaças e fatos reais. Ele não limita as atividades – nem interfere nelas – de quem sente ou é alvo de ciúme e tende a desaparecer diante das evidências". Para Andrea, o ciúme extrapola as fronteiras do saudável quando se torna uma preocupação constante e geralmente infundada, associada a comportamentos inaceitáveis ou extravagantes, motivados pela ansiedade de tirar a limpo a infidelidade do parceiro.
"Ter pensamentos frequentes sobre a possível infidelidade do parceiro (a); mexer nos pertences do parceiro (a) em busca de provas da infidelidade, agredir – física ou verbalmente – ou ainda tentativas de agressão motivadas pelo ciúme direcionadas ao parceiro ou ao outro podem servir como sinal de alerta para o ciúme excessivo", explica.
O Pro-Amiti e a Santa Casa do Rio de Janeiro oferecem tratamento gratuito para ciúme excessivo. "O processo psicoterápico trabalha a melhora da autoestima e a segurança com o próprio relacionamento. Com o tempo, o paciente percebe que comportamentos como investigar o que o parceiro faz na rede ou vasculhar seus pertences são desnecessários", explica a psicóloga.
Metrópole - O que é exatamente o ciúme doentio?
Andrea Lorena - É uma preocupação constante sobre a infidelidade do parceiro, acompanhada de emoções como raiva, tristeza, ansiedade e medo, e ainda de comportamentos voltados para a busca constante de provas acerca da possível infidelidade do parceiro.
O que diferencia o ciúme considerado normal, do doentio?
O ciúme normal é transitório e baseado em ameaças e fatos reais, e não interfere e nem limita a vida do indivíduo.
Quais são os sinais do ciúme doentio?
Ter pensamentos frequentes sobre a possível infidelidade do parceiro; mexer nos pertences do parceiro (a) em busca de provas da infidelidade, agredir – física ou verbalmente – ou ainda tentativas de agressão motivadas pelo ciúme direcionadas ao parceiro ou ao outro podem servir como sinal de alerta para o ciúme excessivo.
A vítima de alguém ciumento deve recorrer a quem?
Num primeiro momento, recomendo que procure ajuda psicoterápica.
Quem é mais ciumento, o homem ou a mulher?
Dados da literatura afirmam que os homens sentem mais ciúme sexual e as mulheres, ciúme emocional.
O que desencadeia o ciúme-doentio?
Autoestima baixa, presença de sentimentos de insegurança, normalmente originados na infância.
Há algum tratamento? É verdadeiramente uma doença?
O tratamento proposto pelo Hospital de Clínicas é a combinação de psicoterapia voltada especificamente para a temática do ciúme com atendimento psiquiátrico, e este decidirá a necessidade de medicação.
Como é feito o tratamento?
A primeira fase é composta pelo grupo psicoeducacional, são sessões quinzenais com duração de 1h30 coordenadas por dois terapeutas. Na segunda fase ocorre o grupo psicoterapêutico, com duração aproximada de 20 sessões de 1h30 minutos cada, também coordenadas por dois terapeutas. Ressalta-se que todos os grupos são mistos.
Existe alguma pesquisa sobre cura desse tipo de ciúme?
Existem pesquisas demonstrando eficácia dos tratamentos psicoterapêuticos na melhora dos sintomas de ciúme.
O ciúme doentio pode levar a casos de violência e até de morte?
Sim, o ciumento excessivo pode agredir o parceiro, ou aquela pessoa que julga ser a causadora do ciúme. Muitas vezes é motivado pelo tipo de pensamento: se não ficar comigo, também não poderá ficar com mais ninguém.
Existe uma parcela da população mais afetada pelo ciúme doentio, ou ele existe em todos os níveis sociais?
Existem em todos os níveis sociais.
O ciúme doentio existe apenas nas relações entre homem-mulher ou pode ocorrer também entre pais e filhos ou familiares?
O ciúme acontece tanto nas relações amorosas quanto familiares - pais e filhos, irmão, amigos, colegas de trabalho.