ZEZA AMARAL

A pátria sem chuteiras pretas

Zeza Amaral
07/05/2013 às 15:14.
Atualizado em 25/04/2022 às 17:22

Viu-se de tudo um pouco do mal futebol que pratica na pátria que Nélson Rodrigues, no século passado, viu calçando chuteiras, e que vi agora nas finais dos campeonatos estaduais — embora os norte-nordestinos sempre façam o possível e o impossível, e mais algum milagre, para encher seus estádios regionais. Pelo visto, um país dividido ao meio pelo sonho — que já virou lenda — rodriguiniano.

Os loucos e os bambis deixaram metade do Morumbi às moscas em uma partida que definia o último finalista do Paulista, menos de 30 mil torcedores, e aí vale dizer que as velhas renas tinham razão: faz tempo que o São Paulo não se define para uma final estadual. E estavam certos.

E engana-se que os peixeiros também estão acreditando no título estadual. Em Mogi Mirim, pouco menos de mil deles sofreram para ver o time ganhar nos pênaltis. E no Rio de Janeiro, Volta Redonda, pouco mais de 10 mil torcedores viram o goleiro Jefferson mostrar porque é o melhor goleiro brasileiro das últimas décadas e sair de campo com mais um título guanabarino, gentílico que acho mais bonito do que saudosista.

Por falar em saudade, Jefferson é o velho Barbosa da Copa de 50, o goleiro mais injustiçado da Via Láctea, ou mesmo do Inferno — que é para onde todos os seus críticos se mudaram, se é que já não eram de lá que escreviam e mandavam suas crônicas que bem alimentavam as pobres almas preconceituosas de então, e que ainda persistem na cabeça de alguns octogenários.

Mário Filho, o jornalista que dá o nome ao Maracanã, irmão de Nélson Rodrigues, foi quem o culpou pelo gol de Gighia, acusando-o de “tremedor”. Nélson Rodrigues, que, pela perda da Copa de 50, inventou o “complexo de vira-lata” não sabia que estava se referindo ao próprio irmão e, de algum modo, a si mesmo, embora de maneira oblíqua (eu diria quase covarde), em uma daquelas clássicas transferências de responsabilidade que implicitamente se acha esculpida no mármore da ufanista frase que ele criou: pátria de chuteiras.

Jefferson é o melhor arqueiro do planeta. Já disse isso anos atrás e torno a dizer. Já vi muitos deles, calçando chuteiras pretas. E o preto Dida, para os mais jovens, era o terceiro goleiro da seleção tetra-campeão de 2002. Detalhe: Marcos, o primeiro, e Rogério Ceni, o segundo, jamais foram jogar em campos internacionais. E Dida, como se abençoado e protegido pelos deuses do futebol, foi o único a construir uma sólida carreira em terras de além-mar.

Jefferson segue o caminho solitário dos grandes arqueiros pretos e o Brasil não ganhará outra Copa enquanto não pagar a dívida que tem com o injustiçado Barbosa. A injustiça tem de ir para a reserva. E eu fugi do assunto inicial e isso não tem a menor importância.

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