ig - Jorge Massarolo (CEDOC)
A Páscoa é cheia de simbolismos, rituais e lembranças. Algumas delas marcam a infância, como a procissão de velas, as missas , mas tem uma em especial que é a colheita de macela - um arbusto com flores amarelas, com cerca de um centímetro de diâmetro, florescendo em pequenos cachos - tradicionalmente realizada na Sexta-Feira Santa na região Sul do País. Não se sabe exatamente qual a relação com o dia, mas algumas versões contam que quando Cristo subiu o calvário com a cruz, no caminho tinha bastante macela, e a planta passou a ser vista como sagrada, que faria bem para todos os problemas.
Imaginário popular ou não, o fato é que meu pai me acordava cedinho, ainda escuro, tomava seu chimarrão, calçava as botas, vestia casaco, chapéu e íamos colher ramas de macela nas capoeiras que cercavam as matas. Geralmente a manhã era fria e com orvalho. Aliás, orvalho é fundamental no ritual, pois diz a lenda que a macela deve ser colhida antes de ser banhada pelos raios do sol, assim ela mantém suas propriedades medicinais. Lembro que eram muitas famílias percorrendo as matas em busca do arbusto.
Aqueles que não conseguiam encontrar, ou estavam impossibilitados fisicamente de sair de casa, acabavam comprando maços de macela de vendedores que ofereciam de porta em porta, no entanto, era um ato duvidoso, pois não se sabia se elas haviam sido colhidas antes de o sol nascer.
O tempo passou, mas esta tradição não esqueci. Aqui em Campinas poucos conhecem a macela. Há alguns anos ganhei da minha mãe um maço de ramas de presente. Como manda a tradição, pendurei-o na cozinha. As visitas ficavam curiosas em saber para que servia aquela planta e suas propriedades medicinais. Diz a tradição que ela é muito boa no combate a má digestão, cólicas, ao alívio de dores de cabeça, enfim, um santo remédio caseiro de gosto bem amargo.
Devido a religiosidade que envolve a planta e suas propriedades medicinais, a macela foi instituída, em 2002, como a planta medicinal símbolo do Estado do Rio Grande do Sul. O nome científico é Achyroclien satureioides, mas também é conhecida como macela-do-campo, marcela, macela-amarela, camomila-nacional, carrapichinho-de-agulha, marcela, losna-do-mato etc.
Para minha surpresa, descobri que a colheita da macela pode estar com seus dias contados. Uma das principais causas é que ao invés de colher os galhos, a planta é arrancada com a raiz. Outro fator, é que a macela é apanhada justamente no período de floração, impedindo que o ciclo natural se complete. Na minha infância não era muito fácil encontrá-la. Imagine agora.
Mas o Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp já pensou nisso e deu origem ao primeiro cultivar brasileiro de macela. O estudo reconhece que a planta medicinal nativa é muito utilizada para a preparação de chá com propriedades digestivas e antiespasmódicas, entre outras. De acordo com o coordenador do trabalho, o agrônomo Ílio Montanari Júnior, o objetivo foi iniciar o processo para que ela possa ser cultivada de forma comercial. As plantas estão começando a florescer e em breve serão colhidas.
Muito bom, pois a colheita da macela é uma tradição que deve ser mantida. Quem sabe, daqui há alguns anos possamos levar nossos filhos para colher o arbusto nas imediações de Campinas.