GUSTAVO MAZZOLA

A nossa próxima atração

Sentei-me em frente à TV e, curioso, esperei. Começava o seriado de aventuras "Falcão Negro"

Gustavo Mazzola
19/07/2016 às 22:42.
Atualizado em 22/04/2022 às 23:23

De manhã, já estava na caixa do correio: um envelope azul de tamanho médio, na frente meu nome completo, endereço, tudo certinho. No verso não havia remetente. Era um convite, em letras finas e delicadas, que abri logo, curioso. Dentro, os dizeres, no mínimo estranhos: “para pessoas, como você, interessadas em lembrar como foi, um dia, a nossa televisão. Sua única tarefa, anotar (um caderninho vai aí dentro) algumas observações sobre o que verá. Venha me visitar quinta-feira, às 19 horas!” Mais gente havia recebido coisa igual? Não sabia. Mas, no dia e hora determinados, eu, que não perderia por nada essa aventura, lá estava em frente a um casarão antigo, todo ajardinado e cercado com uma mureta baixa e portãozinho de madeira. Subi alguns degraus, bati palmas. Nada. Outra vez, nada. Resolvi entrar, abrindo uma porta totalmente entalhada, que rangeu ao meu esforço. Lá dentro, ninguém. Na sala enorme à minha frente, móveis antigos, uma cristaleira, um jogo de estofados de veludo cor de vinho, tapetes e cortinas da mesma cor. Bem no centro, uma TV daquelas bem antigas, sustentada por perninhas de metal, uma antena em V em cima, a tela de cantos arredondados e um seletor de canais do dois ao treze. Notei, logo, que o aparelho estava ligado, mostrando a imagem de um indiozinho. Uma voz anunciou: “Vem aí a nossa próxima atração”. E veio mesmo: sentei-me em frente à TV e, curioso, esperei. Começava o seriado de aventuras “Falcão Negro”, estrelado por José Parisi. Lembrei-me de um dia, em meados dos anos 50, quando vi no Canal 3 de São Paulo, que eu assistia no bar da esquina da minha casa, um entrevero entre Falcão e alguns malfeitores que o atacavam. De repente, a luta virou “pra valer”, resultando em gente até um pouco machucada. Foi tudo para o caderninho. A programação seguiu: agora, era o momento de “Alô, doçura”, uma comedinha curta, inocente, com Eva Vilma e John Herbert. O programa era levado na TV Tupi quando o casal ainda namorava e, depois, casados, mostraram, numa noite de Natal, seu filhinho, de poucos meses de idade. Um momento de ternura, que jamais me esqueci. Anotei tudo. Continuava no meu lugar, embevecido com o que via. O que vinha, em seguida, era o Mappin Movietone, com Roberto Corte Real e sua inseparável gravatinha borboleta. Numa noite, sem que se esperasse, apresentou no vídeo o poeta Paulo Bonfim, explicando que, a partir daquela noite, ele é que passaria a apresentar o jornal. Lembro-me que Paulo, embora sem nenhuma experiência, desempenhou bem o seu papel. Roberto se despediu de São Paulo, em lágrimas. Mais anotações no caderninho. Chegava, então, o momento da grande atração da noite, “Os melhores da semana”, com Márcia Real e Heitor de Andrade. Os destaques dos últimos sete dias nas TVs paulistanas eram apresentados ali resumidamente. Como era tudo ao vivo, os homenageados precisavam vir até os estúdios do Canal 3, no Sumaré, para receberem o seu troféu, na época, um verdadeiro Óscar. Entre um programa e outro, filminhos de propaganda ruidosos, slides e garotas bonitas mostrando utensílios domésticos variados. A programação terminava com um “TV de Vanguarda”. Naquela noite estava em cartaz “Volta mocidade”, adaptação de Walter Jorge Durst, sob a direção de Cassiano Gabus Mendes. O elenco era formado de estrelas das Associadas, Lia de Aguiar, Lima Duarte, Dionísio de Azevedo, Jaime Barcelos e Vida Alves, que iam com o teledrama até a madrugada. Quando apareceu na tela a palavra Fim, o aparelho de TV se apagou como que por encanto: senti que era o momento de ir embora. No dia seguinte notei que havia esquecido na casa o meu caderninho de anotações. Voltei ao mesmo endereço. Entrei como no dia anterior, mas ao chegar à sala, a encontrei vazia, o meu caderninho jogado num canto. Fiquei pensando: sem o videoteipe de hoje, como eram possíveis aquelas imagens? Um filme? E aqueles móveis todos, para onde foram? Curioso, fui a um dos vizinhos, perguntando se conhecia os moradores ao lado. — Moço, nessa casa não mora mais ninguém há muitos anos. Foi fechada quando morreu ali uma menina que era a estrelinha de São Paulo, Verinha Darci. Lembra-se dela? A Poliana, de uma novelinha da TV. Dizem que se suicidou, ou foi assassinada. Ninguém soube, ao certo, o que aconteceu. Fui para casa, levando comigo o meu caderninho... e esse mistério. Nunca fui cobrado sobre as anotações que havia feito. Ainda bem! {TEXT} n nGustavo Mazzola é jornalista

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