A política é fundamental à sociedade, pois coordena o convívio e ordena o bom uso da coisa pública, para atender às finalidades do bem comum. Só que ela é feita por seres humanos. Falíveis e muito distantes da perfeição. Daí o espetáculo nem sempre edificante das campanhas eleitorais. O fenômeno é universal. Ao menos em países que cultivam algo próximo à democracia. Tanto que os Estados Unidos têm estudado há muitos anos a negatividade das campanhas políticas. O nível tem baixado e destruído a qualidade da informação ao público, reduzido o comparecimento do eleitor às urnas e provocado outras mazelas. Dentre elas, a debilidade da Democracia Representativa. Alguns mitos alimentam os estudos a respeito. O primeiro diz que as campanhas se tornaram sórdidas. No livro “Going Dirty” (Caminhando para a sujeira, em tradução livre), David Mark sustenta que as campanhas recentes são muito mais civilizadas do que eram no início da República. No século 19, os jornais americanos eram partidários e suas críticas eram acerbas. O segundo mito é o de que a campanha afasta o eleitor do processo eleitoral. Parece não ser verdade. Nos Estados Unidos, nas eleições de 2004, o nível de comparecimento passou de 54 para 60%. E isso porque a propaganda investiu no ódio e fez com que os conservadores viessem votar em massa. O mesmo aconteceu em 2006, quando se explorou a raiva do eleitor, indignado com a presença de jovens americanos na Guerra do Iraque. O que dizer da campanha em 2020? Foi alimentada com a disseminação de críticas ao adversário, muito menos do que baseada em promessas a serem posteriormente cumpridas, obtido o êxito nas eleições. Os eleitores, na verdade, são movidos por emoções negativas. Vota-se contra alguém. O Brasil experimentou isso em 2018. Foi um plebiscito que visava afastar do poder o Partido dos Trabalhadores, diante dos malfeitos perpetrados, sem que em momento algum, a liderança assumisse o “mea culpa”. Para os americanos, os apelos negativos são antiéticos e ineficazes. Afirmação que é também considerada mítica. Pois se as campanhas negativas são inerentemente antiéticas, como explicar a Declaração de Independência americana? Mais de 70% das afirmações nela contidas são negativas, seja relativamente à lei britânica, a despotismo, tributação sem representação e outras. Para Drew Westen, que escreveu “O Cérebro Político”, os eleitores tendem a tirar conclusões sobre os seus candidatos, baseados no que sentem. “Se um apelo é racional ou emocional, positivo ou negativo, é completamente independente de ser ou não ético. A combinação entre razão, conteúdo positivo e ética é um profundo erro de lógica, que tem tido efeitos devastadores nas campanhas durante décadas”. A verdade é que as redes sociais modificaram profundamente o cenário da divulgação de propostas e fez proliferar a disseminação de inverdades. Muito mais poderoso do que discursos, os superados comícios ou perorações, é o impacto da ligação de palavras por redes múltiplas, com imagens, sons e emoções. Isso criou enorme espaço para trapaça e maior oportunidade para ativar emoções. A manipulação de imagens, o uso da música, a escolha de palavras fortes e significativas, tudo faz com que a emoção do destinatário aflore. Ele tende a acreditar de imediato, porque os algoritmos fizeram a seleção prévia: sabem qual é o seu perfil, o que o impressiona, as páginas que visita, as músicas que ouve, as suas preferências. Por isso a propaganda é direcionada a alguém específico. Ela cala fundo e fortalece opções. Por isso é mito afirmar que o apelo negativo é ineficaz. A propaganda de ataque é aquela que resolve as eleições. Nos Estados Unidos, toda campanha vitoriosa do século 20 teve como característica ataques ao oponente. Só que, deixar de contra-atacar, custa eleições. Por isso revidar é importante. Não temos muito a aprender com os americanos, num setor em que a criatividade tupiniquim vai muito bem, obrigado. Há quem ainda sonhe que um dia a política será essencialmente ética. Renato Nalini é desembargador, reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove, palestrante e conferencista.