BRAILE

A naturalização da deficiência

Em uma escola, por exemplo, os alunos com deficiência não desejam carregar o peso de serem destacados ou distintos em função desta deficiência

Fabiana Bonilha
22/07/2015 às 16:26.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:19

Tudo o que as pessoas com deficiência mais querem é serem consideradas como pessoas “normais”. Embora se saiba que a normalidade é uma condição relativa, e que na verdade, de perto ninguém é totalmente normal, podemos abordá-la, para efeito do que eu quero dizer, como uma circunstância em que não haja discriminação, preconceito nem segregação.Em uma escola, por exemplo, os alunos com deficiência não desejam carregar o peso de serem destacados ou distintos em função desta deficiência. Eles desejam ser tratados como quaisquer outros colegas, tendo os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas responsabilidades. Isso significa ser um aluno normal, um aluno comum, sem que nele seja impresso um carimbo ou uma marca especial.Quantas vezes já ouvi de professores a lamentável frase: “O seu caso é diferente”, como se eu, na condição de aluna com deficiência, fosse um “caso” e não uma estudante como outra qualquer.Eliminar esta barreira faz parte da nossa luta cotidiana, e, neste sentido, o nosso desafio é o de nos colocarmos na posição de indivíduos que querem desempenhar seus papéis e atribuições em igualdades de oportunidades com seus pares.Entretanto, este tratamento equitativo não significa uma naturalização da deficiência, que por sua vez representa uma negação das especificidades inerentes a ela. Como pessoas com deficiência, temos necessidades de adequações e de recursos que são próprios à nossa condição, e que precisam ser levados em conta.Quem não enxerga, por exemplo, precisa de material em braille ou em formato acessível. Precisa de descrições para entender imagens e conteúdos gráficos. Precisa de referências sobre a localização no espaço e sobre os mobiliários ali encontrados. Precisa de instrumentos para ir e vir com autonomia. Precisa que o seu ritmo e o seu tempo para fazer as coisas sejam respeitados. Precisa ter oportunidades para explorar o ambiente à sua volta. Precisa, enfim, ser compreendido na sua maneira particular de ver o mundo.Em uma tentativa de nos igualarem, muitas vezes as pessoas esquecem destas nossas necessidades, tornando-as ocultas e invisíveis. Elas esquecem do esforço que empreendemos para fazermos contato com o mundo e para termos acesso à informação. Esquecem que somos cegos, e que a cegueira nos impõe limites, assim como nos traz possibilidades. Ao que parece, a deficiência se torna tão natural, que quase não existe.Pior ainda é quando nossas necessidades específicas são tratadas como privilégios e não como direitos. Nessas situações, nos cabe mostrar que um determinado recurso não tem a função de nos diferenciar, mas sim de nos manter em pé de igualdade.Nosso desafio cotidiano não é muito simples. Nesta Pós-Modernidade tão acelerada e automatizada, em que imperam o individualismo e a competitividade, quem tem uma deficiência vivencia o risco de ficar para trás, de ficar à margem deste corre-corre desenfreado, no qual a subjetividade perde espaço para um sistema frio e padronizado.As pessoas com deficiência desejam simplesmente ser quem elas são, sem que fiquem excessivamente destacadas, nem insensivelmente desconsideradas.Este equilíbrio faz com que ter uma deficiência, nos tempos pós-modernos, seja uma arte, uma condição que nos impele à tarefa de nos posicionarmos e de nos reinventarmos a cada dia.

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