A zootecnista Carina Abreu usa aspectos da vida dos insetos sem ferrão para difundir conceitos de sustentabilidade para crianças, adolescentes e adultos
A zootecnista Carina Abreu explica para estudante como é a vida das abelhas: "As espécies sem ferrão são uma potente ferramenta didática, pois atraem a atenção e estimulam fortemente a curiosidade das crianças, adolescentes e adultos” (Therson Mehl)
Foi após trabalhar com o resgate de abelhas no Estado de Rondônia que a zootecnista e mestre em entomologia Carina Abreu tomou a iniciativa de criar um projeto para difundir a necessidade de proteção desses insetos. Ela já havia estudado esses animais no mestrado e foi convidada por uma organização não governamental a realizar esse trabalho no Norte do país, quando a usina hidrelétrica Santo Antônio estava sendo construída, em uma cidade próxima a Porto Velho, no ano de 2011. Devido à obra, muitas espécies de abelhas ficariam perdidas e Crina foi chamada para resguardá-las, uma vez que são essenciais para o desenvolvimento e manutenção do planeta.
A partir dessa expedição é que nasceu a Zum Zum Verde, em 2012, empresa criada pela zootecnista voltada a ações educativas que incentivam a transição para uma vida mais simples e sustentável, com a preservação das abelhas sem ferrão. Hoje, o trabalho de Carina, que tem 42 anos, já foi difundido em todo o país e é realizado em diversas instituições. Só em Campinas, a iniciativa contempla seis escolas públicas municipais, uma escola particular e diversas empresas, que convidam a especialista a prestar consultorias sobre o tema.
"Comecei a atuar na área de educação meio que por acaso, há quase 20 anos, durante um estágio da graduação. Era um projeto para sensibilização sobre abelhas nativas e nosso trabalho acontecia em escolas da Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Não sabia exatamente o que estava fazendo e fui aprendendo na prática. Mas essa experiência foi tão significativa que nunca mais me afastei da área da educação. Após terminar o meu bacharelado, cursei licenciatura e mestrado. Lecionei em escolas públicas, particulares, cursos técnicos e universitários. Essas vivências foram fundamentais para que a Zum Zum Verde fosse sendo construída e fortalecida. Hoje trabalhamos em parceria com diversos educadores e instituições que acreditam no poder transformador da educação e isso é muito renovador", aponta.
Abelhas
O trabalho da Zum Zum Verde tem diversas frentes, mas todas conectadas pela preocupação com o planeta e a manutenção da vida na Terra. Uma das abordagens está relacionada às abelhas sem ferrão. "Eu conheci as abelhas por meio da apicultura", lembra. "Trabalhei um ano com elas e depois tive o convite para fazer o trabalho em Ilha Grande, com espécies nativas. Até então não tinha conhecimento da existência desses insetos, e descobri que muitos deles estão ameaçados. Na própria Ilha Grande fizemos um trabalho de sensibilização, tanto para a comunidade local quanto para turistas, conta."
As abelhas sem ferrão são brasileiras e recebem esse nome por possuírem o ferrão atrofiado. No país, estima-se a existência de mais de 300 espécies, porém muitas ainda são desconhecidas. "Quando se fala em abelhas, a maioria das pessoas pensa nas africanizadas, aquelas que ficam brigando com você por um pouco de açaí, refrigerante ou qualquer outra coisa açucarada. Na verdade, essas abelhas não são 'brasileiras' e sim híbridos de abelhas introduzidas em nosso país", aponta Carina. De acordo com ela, só no Estado de São Paulo existem cerca de 60 espécies.
O encanto da pesquisadora com esse inseto vem da importância que ele traz ao meio ambiente. Ela ressalva, por exemplo, que as abelhas sem ferrão são essenciais para a polinização. Nas suas oficinas, zootecnista mostra como as colmeias funcionam e qual o impacto de contar com as abelhas sem ferrão, inclusive nas áreas urbanas.
"A maioria das plantas que chamamos de angiospermas, que possuem frutos com semente, precisa dos polinizadores, que podem ser mamíferos, répteis e aves. Dentro do grupo dos insetos, são as abelhas as principais polinizadoras. Quando a abelha coleta néctar, ela acaba transportando os grãos de pólen de uma flor para outra espécie, permitindo a polinização e, consequentemente, fecundando essa flor e frutos com a semente. Hoje sabemos que a existência de muitas espécies se dá por esse papel das abelhas", destaca.
Exemplos de espécies com as quais Carina trabalha são a Jataí e a Iraí e algumas mirins, tidas como espécies bastante urbanizadas e presentes em diversas regiões brasileiras. Essas abelhas são apresentadas em cursos de meliponicultura, que consiste na criação racional de abelhas sem ferrão, em colmeias organizadas em meliponários. Carina explica em suas palestras que essas abelhas podem, inclusive, ser criadas em casas e apartamentos, desde que haja um ambiente com flores, que sirvam de alimento, e em uma altura que não ultrapasse o quarto andar, a fim de que elas possam realizar seu trabalho de polinização.
Um dos locais que tem um meliponário criado por Carina é no espaço chamado "Ciência Divertida - O Lab", de Valinhos, que é um instituto voltado ao estudo das ciências. Carina mantém a parceria com o espaço desde 2018 e recebe ali estudantes de escolas e de outros locais que tenham interesse em conhecer ou cultivar essas espécies. A zootecnista mostrou à reportagem como funciona esse trabalho. As abelhas são alocadas em colmeias, em um recipiente chamado de "caixa racional de abelha sem ferrão". Em cada uma dessas caixas podem viver até 3 mil abelhas.
Para a manutenção dos insetos nesses locais, Carina aponta que é preciso que o entorno conte com uma área verde com flores e frutos, que sirvam de alimento e que permitam o processo de polinização. Ela pegou uma das caixas e delicadamente retirou uma fita que tapava a superfície, o que impede que predadores como formigas, aranhas e moscas cheguem até elas, e limpou a parte superior, onde fica a cera. Depois, mostrou o interior. As abelhas são muito pequenas e quase passam despercebidas.
"As abelhas sem ferrão são uma potente ferramenta didática, pois atraem a atenção e estimulam fortemente a curiosidade das crianças, adolescentes e adultos. Além disso, elas possuem características biológicas, ecológicas, econômicas e históricas muito relacionadas aos conceitos envolvidos na educação ambiental. Com elas é perfeitamente possível inserir a problemática ambiental e obter respostas práticas por parte das famílias e escolas envolvidas em ações de proteção ambiental e melhoria da qualidade de vida", explica.
Jardim dos saberes
Este ano, Carina também começou a desenvolver o projeto "Jardim dos Saberes" nos Centros Educacionais Integrados de Campinas. Essa ação ocorre em conjunto com toda a comunidade escolar, que perpassa oficinas de separação de resíduos, destinação correta desses resíduos, compostagem, jardinagem ecológica, educação ambiental e manutenção das abelhas.
"Principalmente depois do isolamento, em que crianças ficaram expostas de forma excessiva a telas, a gente vê a necessidade da reconexão com a natureza. Ter aulas fora da sala tem sido uma experiência transformadora para as crianças. Além disso, elas levam esses saberes para casa. Com a questão da compostagem, por exemplo, elas aprendem que as minhocas são as estrelas da compostagem e levam isso para casa. Aprendem que podem cultivar o próprio alimento e se tornam multiplicadores desses saberes, algo que levarão para a vida", defende.
Além de tudo isso, Carina também atua com o grupo "Morada da Floresta", de São Paulo, integra o Grupo de Trabalho para Implantação de Hortas Urbanas, da Prefeitura de Campinas, e é colaboradora do PAN Insetos Polinizadores, do ICMBio, e membro do coletivo Hortemos.
Mesmo difundindo esse conhecimento em tantas frentes, ela reconhece que ainda é necessário que a conscientização ambiental chegue a mais pessoas, para que ocorram mudanças efetivas no planeta. "Acredito muito nas escolhas individuais que impactam o nosso ao redor. Pode parecer que fazer uma compostagem na nossa casa não fará diferença. Mas faz. Na compostagem, a gente reduz o serviço do aterro. Ao compostar, impactamos quem vive conosco também. Dessa forma conseguimos a sensibilização. Para além disso, também é necessário que exijamos políticas públicas que incentivem projetos educativos e de criação de leis de proteção ambiental. Acredito que são pequenas atitudes que nos possibilitam criar uma consciência muito maior. É um trabalho de abelhinha, como costumo dizer. Precisamos polinizar os saberes", frisou.
Em suas palestras, Carina também fala sobre a destinação de resíduos e acerca de compostagem (Gustavo Tilio)