Aquiles Reis

A mulher e o violino

30/12/2020 às 10:55.
Atualizado em 22/03/2022 às 14:14

Tenho aqui comigo o álbum da violinista Ana de Oliveira. A moça tem bom lastro musical. Experiente como integrante em algumas orquestras importantes no Brasil e na Europa, Oliveira vem a público com seu primeiro álbum solo. Com um álbum no formato físico a violinista traça sua trajetória, inspirada em momentos de sua própria vida.

O CD é de uma imprevisão impressionante. Com a habilidade adquirida nas orquestras, o que se ouve são improvisos de clareza orgânica, consistindo no fogo inesperado de suas composições. Com sonoridade expressa em intrínseca sabedoria, o que brota é um som pleno e extrovertido, um fiel tradutor da vida de Ana de Oliveira.

Criações inesperadas que vêm à tona nos compassos em que o violino se revela parte insaciável de braços e mãos da violinista.

O álbum Dragão dos Olhos Amarelos - Improvisos Autobiográficos (https://tratore.ffm.to/dragao) é um imenso livro aberto ao mundo da criação... diante de tudo isso, ponho-me a matutar com os botões - a música não para de me surpreender. Braços abertos à sua grandeza, ajoelho-me à sua sabedoria. Enquanto a vilania nos destrói, a música os destrói, corrompendo os maus presságios e permitindo que a vida flua aos trancos e barrancos. Ah, música, humildemente, estarei para sempre a seus pés, louvando-a e cantando-a.

Deixo a pensata para trás e vou ao violino, aconchegado que está nos braços de Ana de Oliveira - relação quase marital entre a mulher e o violino. Um violino pop, regado a virtuosismo, que não trata a erudição de "Sra.", mas de broder.

Gravada, mixada e masterizada no superestúdio Monteverdi, pelo multi inst Dodecafoniana I para violino solo rumentista André Mehmari, tudo fluiu em direção à dignidade e à excelência musical.

De igual para igual, cada faixa mistura vigor com intensidade e vivacidade do pop amigo do erudito. Tanto violinista como compositora, Ana desfaz laços e amplifica a beleza recém-descoberta no tocar. Desde o arco que bate nas cordas, numa poderosa percussão; nas delicadas narrativas de pianíssimo, ao sabor intenso do fortíssimo; do tema improvisado na levada clássica, ao rigor de alguns compassos mais ariscos - afinal, o pop está presente firme e forte.

Das quinze faixas registradas, onze são de Ana, nelas ela brinca de buscar o novo... o recém-descoberto. Nas outras, como as duas composições de Sérgio Ferraz, Dodecafoniana I para violino solo e Dodecafoniana II para violino solo, o coro come bonito nas estripulias de Ana e seu instrumento.

Na faixa bônus, uma composição de Hermeto Pascoal, homenagem a Ana de Oliveira, o solo coube a André Mehmari. Reconhecendo nele o gigante para e aconchego fechar o disco.

Ao final, resta a música. A música que a todos (ou a quase todos) encanta, mas não cabe em uma só definição. A música é múltipla: preenche as almas sedentas por aconchego e renova as esperanças num mundo mais igualitário.

A todos a música, qualquer música, embala e fortalece. A música, seja ela popular ou erudita, é a trilha sonora de todas as vidas planetárias.

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