ENTREVISTA

A MUDANÇA É IMENSA

É lei: norma que permite união homoafetiva concede a homossexuais direitos comuns a qualquer casal, como comprar imóvel junto

Eduardo Gregori
gregori@rac.com.br
31/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:47

Em 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, Campinas realizou o primeiro casamento coletivo homoafetivo do Brasil. Dezesseis casais formados por pessoas do mesmo sexo se uniram oficialmente no 3o Cartório de Registro Civil da cidade e depois comemoraram junto da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) com um brinde na Estação Cultura.

O casamento de pessoas do mesmo sexo tornou-se possível em território paulista a partir de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que regulamentou, em 18 dezembro de 2012, as normas que regem os cartórios de registro civil, equiparando, para todos os efeitos legais, as uniões homo e heterossexual.

“A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu que o entendimento sobre a definição do que é casamento não ficasse restrita apenas à união entre homem e mulher. O órgão dirimiu qualquer interpretação possível e definiu que o casamento pode ser entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos opostos”, explica o assessor jurídico do Centro de Referência LGBT de Campinas, Márcio Régis Vascon.

Mas, apesar disso, faltava uma normatização que informasse aos cartórios como proceder. Esse problema foi resolvido pelo TJ-SP. Metrópole conversou com Vascon sobre a equiparação da norma e que mudanças isso promove para a população LGBT.

Metrópole – Qual a diferença entre a norma que permite o casamento de fato e a decisão do STF de 2011 que reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo?

Márcio Régis Vascon – A decisão do STF permitiu que o entendimento sobre a definição do que é casamento não ficasse restrita apenas à união entre homem e mulher. O STF dirimiu qualquer interpretação possível e definiu que o casamento pode ser entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos opostos. Apesar da decisão, não havia uma normatização que informasse aos cartórios como proceder de uma única maneira para todos. Por isso, vários cartórios, inclusive em Campinas, não faziam o documento. Os LGBTs também enfrentavam burocracia no registro de casamento. Primeiro, era preciso registrar uma união estável para depois, por meio de decisão judicial, convertê-la em casamento de fato. Já a decisão do TJ-SP normatiza a forma como deve ser tratado o casamento hétero ou homoafetivo. Ou seja, todos os cartórios paulistas têm que seguir a mesma regra.

A normatização é válida para todo o Brasil?

Não. Por enquanto, vale somente para o Estado de São Paulo, pois foi uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado. Porém, esperamos que tribunais de outros estados sigam esse exemplo.

O que essa mudança representa?

Pode parecer pouco para quem não é LGBT, mas a mudança é imensa. A começar pelo registro da união, que antes acontecia em cartório de notas, como um contrato entre duas pessoas. Com a normatização, a questão passou a ser tratada no cartório de registro civil, o mesmo ao qual casais heterossexuais recorrem para se casar e registrar seus filhos. Deixamos de ser vistos como conviventes sob contrato e passamos a ser reconhecidos como um núcleo familiar.

E o que altera, de fato, para os casais homoafetivos?

Muda tudo. Passamos a ter acesso a todos os direitos aos quais não tínhamos por questões legais. Ou seja, como casal, podemos comprar imóvel juntos, ter direito a pensão, herança etc.

Você acredita que a decisão do tribunal contribuiu para a superação do preconceito contra a população LGBT?

Sim. Ela mostra para a sociedade que a família não é apenas aquela formada por homem e mulher – o núcleo familiar também pode ser composto por dois homens ou duas mulheres – e que isso não deve mais causar mais estranheza.

A relação com a Igreja Católica deve mudar com o novo papa?

Creio que não. Na verdade, a escolha de Francisco foi proposital no que diz respeito aos homossexuais e ao casamento homoafetivo. É sabido que ele é contra. O papa se indispôs com a presidente argentina, Cristina Kirchner, justamente, sobre esse tema. Imagino que, mesmo com os direitos conquistados, a relação com a igreja católica continue a de sempre, a que nos condena e proíbe a união entre pessoas do mesmo sexo. Por outro lado, temos um estado democrático que reconhece a união homoafetiva, o que delimita a ação das igrejas, dizendo claramente à sociedade que somos cidadãos e temos que respeitar uns aos outros, independentemente do que prega essa ou aquela denominação religiosa.

E quando religiosos se envolvem na política e assumem cargos como o do deputado e pastor Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que, no passado, já se mostrou preconceituoso contra homossexuais, negros e mulheres?

Acho que isso só reforça o preconceito. Ele tinha de lembrar que foi eleito por meio de votos e não deveria utilizar o cargo político para espalhar preconceito e ódio contra pessoas que não pertencem à sua igreja ou que não seguem seus preceitos. Misturar as coisas é retroceder. E é preocupante.

Durante a organização do casamento coletivo o Centro de Referência LGBT ou os noivos enfrentaram dificuldades relacionadas a preconceito?

Sim. Tivemos que pedir explicações a um juiz que se recusava a registrar a união. Fizemos uma pesquisa e no cartório do qual ele era responsável não havia registros de casamentos ou uniões, que ocorriam somente quando ele estava de férias. A normatização mudou esse cenário. Preconceito e desinformação não têm mais espaço, pois se trata de norma, de uma decisão de instância superior que deve ser seguida. Teve ainda uma noiva ameaçada por seu empregador. Como qualquer pessoa que se casa, ela pediu licença gala, mas o patrão disse que se ela faltasse, mesmo no dia do casamento, seria demitida. E, então, a mulher desistiu de casar porque precisa do trabalho.

Em sua opinião, o número de casais poderia ter sido maior?

Na verdade, o número é maior. Muitos não quiseram participar da cerimônia coletiva para não se expor. Ainda existe muito preconceito contra os LGBTs e, por isso, teve quem se casou mas preferiu fazer isso discretamente.

Houve desistências?

Sim. Muitos casais procuraram o centro quando souberam do casamento. Alguns queriam apenas se informar sobre a norma para pensar melhor e outros desistiram por questões pessoais. Acredito que a legalização também assusta um pouco, pois traz responsabilidades.

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