HELIO PASCHOAL

A meta, o dólar e a inflação

Helio Paschoal
02/08/2015 às 05:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:55

Se alguém ainda tinha alguma esperança de que a situação econômica do País iria melhorar este ano, pode considerá-la vã: não há, no horizonte próximo, nenhuma única boa notícia.Escrevi na minha última coluna que a questão do superávit fiscal deveria ser tratado com mais transparência, e que o governo deveria informar metas factíveis ao invés de ficar jogando números maiores que ele próprio sabia que não seriam atingidos apenas para esconder o estado real da economia.Pois foi justamente o que a equipe econômica fez, ao anunciar uma meta de superávit muito próxima de zero - e ainda deixando em aberto a possibilidade de não conseguir cumprir nem mesmo isso. Pelo menos agora sabemos onde pisamos, como disse o ministro Joaquim Levy.Só que o mercado não gostou muito do terreno à sua frente - tanto que a reação causou um verdadeiro terremoto, cujas ondas atingiram do dólar às agências de risco. Em uma semana, tudo ficou extremamente mais complicado - e mais difícil.Primeiro veio a reação à redução da meta. As agências de risco internacional obviamente reagiram como tinham que reagir: alertando seus clientes que a situação brasileira não é mais o que era antes. Decerto ainda não perdemos o grau de investimento - mas é apenas uma questão de tempo, porque todos sabem que o País não irá se recuperar assim de uma hora para outra. O mais provável é que nas próximas avaliações dessas agências já percamos nossas notas atuais.Somada à própria notícia da redução da meta do superávit primário, essa posição das agências de risco pressionou violentamente o mercado de câmbio, com os resultados que ainda estamos vendo (e não, a alta do dólar ainda não acabou). Afinal, sem o grau de investimento, os dólares tendem a rarear por aqui - e como diz a infalível lei da oferta e da procura, quanto menor a quantidade de alguma coisa, mais essa coisa vale - e moedas não são exceção.Essa primeira onda de aumento na moeda americana assustou muita gente, e quase todos se perguntam se ela veio para ficar, se ela já passou ou se a valorização tende a continuar.As respostas são que sim, ela veio para ficar (a não ser que haja alguma reviravolta na economia mundial da qual não existe qualquer sinal até agora); não, ela ainda não passou; e sim, a valorização tende a continuar - e pode até levar outro forte empurrão, do qual escapamos por um triz na semana passada.Esse empurrão final virá do Fed, o Banco Central dos EUA, que mais uma vez preferiu não aumentar as taxas de juros por lá. Com essas taxas próximas de zero, os investidores tendem a procurar outros mercados que remunerem melhor (como o Brasil), ainda que ofereçam um risco um pouco maior (o risco é aceitável dado que ainda temos o grau de investimento das tais agências de risco).No momento em que o Fed decidir subir as taxas americanas, haverá um refluxo de investimentos do Brasil (e dos demais emergentes) para os EUA, pelo simples motivo que o risco americano é praticamente zero, ainda que o rendimento seja um pouco menor. É uma situação que atrai o chamado investimento “bom” - o voltado a financiar e criar coisas, ao contrário do “mau”, meramente especulativo e que não financia nem cria coisa alguma nos mercados onde aporta.Se a isso se somar (e é provável que se some) o fato de naquele momento já termos perdido o grau de investimento, os efeitos sobre o câmbio serão previsivelmente nefastos, e não é sequer impensável que o dólar passe a barreira dos R$ 4,00. Para o câmbio, trata-se de uma tempestade perfeita.O que gera dois problemas: primeiro, os efeitos de um dólar desse tamanho na inflação - porque não existe praticamente nenhuma cadeia produtiva no Brasil que não dependa de um ou outro (ou muitos) insumos importados para fabricar o que vendem. Se o dólar dispara dessa forma, é óbvio que esses insumos se tornarão bem mais caros, e como é de praxe, a diferença será repassada para o consumidor - o que significa aumento de preços, o que significa mais inflação.Claro, o dólar alto favorece as exportações - mas como somos um País preso a acordos ideológicos ao invés de comerciais, nossas exportações de manufaturados têm um alcance restrito demais para que apenas as empresas que exportam possam oferecer qualquer alívio para a economia como um todo.Restaria ao governo optar por intervir preventivamente do câmbio (como aliás já recomendou o próprio FMI) no sentido de diminuir a banda especulativa da valorização (e ela é significativamente alta) - mas até o momento o Banco Central vem preferindo deixar como está para ver como é que fica. Como está, já sabemos. Como vai ficar, também não é muito difícil de prever. A nós, resta esperar.

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