A marchinha dos indignados

O ano ainda nem começou, camaradas da bola, e a ressaca já começa a coçar o fígado de tanta insatisfação. É muita fantasia, purpurinas mil, alegorias desafinando a vida à beira de mais um Carnaval. Marchamos ao som de marchinhas como se tapássemos o sexo com a peneira da moralidade, enquanto o futebol parece caminhar no escurinho da folia irracional. Seria, no entanto, pura falta de harmonia querer mudar o País ou o mundo antes ou durante as festividades que se aproximam. No mundo bola, então, seria batucar no molhado, portar a bandeira da humilhação. E motivos não faltariam para levar à avenida o enredo inefasto da Copa do Mundo — só para citar uma das pirotecnias que nos cegam os olhos e pouco emocionam.Seria nota 10 testemunhar uma escola de peso do Rio ou de São Paulo abraçar a causa do povo (não a dos babacas mascarados que jamais leram ao menos um livro na vida) e tirar o sistema, a corrupção, o superfaturamento, as mortes nas arenas, a falta de licitação e o ilícito jeitinho brasileiro para dançar antes da Copa.Vamos trocar os clássicos dedinhos indicadores para o alto para indicar o que está errado nesse evento que poderia ser o maior Carnaval de todos os tempos e ainda nem ensaiado está. Temos que recusar fazer parte do bloco dos trouxas e não ser apenas mais um folião com amnésia durante os próximos dias. Vamos tirar a fantasia de palhaço, meu povo, e mostrar a todos que o mundo gira, o mundo samba e sabe usar a indignação sem ter de tirar o sorriso do rosto, o shortinho jeans ou o abadá cafona do desapego. Criemos vínculos, juntemos uns aos outros, cada um com o seu instrumento, para dar logo uma bica em tudo o que teremos de aturar depois do Carnaval.O ano ainda nem começou, repito, e já esquecemos que o passado também não terminou. Podemos, claro, pular que nem pipoca, mas esse lance de segurar o tchan já não rola há muito tempo. A moda agora é outra, é deixar de psirico, agarrar a folia pelos braços e beijar o futuro sem perguntar o nome. Vamos, camaradas da bola, vamos em frente que atrás sempre tem gente querendo tirar o atraso muito antes de fevereiro terminar.