ig - Rodrigo Moraes (CEDOC)
Uma das coisas mais bacanas que vi surgir na música brasileira nos últimos tempos não é uma banda, nem uma cantora-revelação, nem um violonista virtuoso. Trata-se de um grupo de jovens, garotos e garotas (dezenas deles), que munidos de metais e percussão, fazem evoluções pelo palco enquanto desfilam arranjos para músicas do cancioneiro popular e do repertório erudito.
É a Orquestra de Metais Lyra Tatuí, à qual assisti duas vezes pela TV Cultura (ambas num domingo, dia em que a maioria esmagadora das emissoras da TV aberta escancara toda a sua indigência). A orquestra foi criada em 2002 por Adalto Soares, ex-trompetista da Osesp, e sua mulher, a percussionista Silvia Zamboni, como resultado de projeto envolvendo estudantes da rede pública da cidade.
Hoje, a Lyra Tatuí conta com cerca de 80 jovens, de 6 a 19 anos. E foge daquilo que vem à cabeça quando ouvimos a palavra orquestra: ao invés de um grupo de músicos trajados a rigor e devidamente dispostos em seus assentos, os integrantes, com camisetas a lhes servir de uniforme, se apresentam de pé e se entregam constantemente a movimentações, precisas porque previamente ensaiadas, pelo palco e pela plateia. Essas coreografias são por vezes complexas, o que impressiona ainda mais ao levar-se em conta que os músicos precisam concentrar-se também na execução de seus respectivos instrumentos (trompetes, tubas, trombones, trompas, bombardinos, tambores etc), coisa que fazem com a segurança que se espera de instrumentistas dignos do nome.
O resultado dessa combinação sonora e visual é de arrepiar. É de uma alegria solene (se me permitem a contradição), que parece nascer do encontro do rigor com a espontaneidade, da técnica com a emoção. Há também algo de tribal nas apresentações da Lyra, sentimento reforçado pelos coros, presentes em alguns arranjos e entoados em uníssono como gritos de guerra, e pelo soar dos tambores, que marcam o tempo como enormes músculos cardíacos, de uma pulsação precisa como uma máquina, mas também cheia de vida, desejos e sonhos.
O projeto de Adalto Soares e Silvia Zamboni é pedagógico em sua origem, porque voltado à educação musical, mas parece encarar seus jovens integrantes como gente grande. Digo isso porque as apresentações não me despertaram um olhar paternalista, condescendente, comum àqueles casos em que assistimos a algo de qualidade técnica sofrível, mas consideramos, entre guinchos de violinos, desafinações aqui e ali e desencontros rítmicos, que o que vale “é a intenção”.
No caso da Lyra Tatuí, os jovens são colocados diante de um considerável desafio, técnico e artístico, do qual se desembaraçam com desenvoltura e com resultado tão intenso quanto emocionante. Na apresentação exibida no último domingo, gravada na Sala São Paulo, a orquestra apresentou números como Aquarela do Brasil, de Ari Barroso, em uma intepretação sincopada e um tanto furiosa, Also Sprache Zarathustra (o popular tema de 2001 - Uma Odisseia no Espaço), de Strauss, com o fortíssimo dos metais a enfiar o pé na porta dos ouvidos mais indiferentes, e um medley de Henry Mancini que incluiu Moon River, tema do filme Bonequinha de Luxo. Foi nesse momento em que, antes que me desse conta, minha garganta se fechou em um nó e meus olhos se encheram d’água, porque lembrei de minha mãe, que amava essa canção, amava a música e certamente se emocionaria como eu ao ver a orquestra dos meninos em toda sua plenitude.