ANTONIO CONTENTE

A luz que vem do passado

Antônio Contente
13/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 27/04/2022 às 12:43

As coisas simples nunca deixarão de existir, não nos afastamos delas, mas, paradoxalmente, afastamos. Pelas próprias circunstâncias da vida, naturalmente, pródigas em nos remeter para aquilo que Camões, no Lusíadas, detectou: os famosos “mares nunca d’antes navegados”. Que podem, ou não, levar para além, “muito além da Trapobana”... Uma das coisas boas neste mundo de tantos caminhos e descaminhos é você de repente emergir para algo que lhe conduza ao simples e ao bom. Isso pode ocorrer através de música que ouvimos sem a ter colocado no som, de algum perfume que a brisa traz nunca se sabe de onde, ou, até, numa festinha, lhe servirem fatia de bolo com o sabor dos feitos pela avó que morreu quando você ainda trafegava pela adolescência. Agora, essa viagem no tempo se torna muito mais fácil se você de repente tem nas mãos, como eu tive, um livro. Que, ao contar episódios da vida do autor, acaba por lhe fazer redescobrir, ou, simplesmente, descobrir episódios impregnados de tantas coisas essenciais. É por isso que sou fascinado pelos textos de memórias. Nos quais tudo aquilo que enriqueceu a vida de quem narra, acaba por revelar acontecimentos que enriquecem momentos de quem lê. Certamente muitas pessoas aqui em Campinas conhecem, pessoalmente ou de nome, o jornalista Odair Alonso, pelas suas importantes atividades não só em jornais escritos e televisados, como também assessorias de imprensa de peso na nossa vida profissional; além de seu importante cargo atual, junto ao Cerimonial da Prefeitura campineira. Pois bem, Alonso, homem detalhista, um dia resolveu colocar ordem nas muitas notas feitas ao longo de sua rica atuação profissional e mais; daí nasceu o esplêndido “Sessenta Crônicas de uma Vida” (Pontes Editores, 271 páginas). O poeta mato-grossense Manoel de Barros (1916-2014) disse, numa entrevista, o seguinte: “O meu quintal é maior do que o mundo”. E bastou que eu lesse os primeiros cinco ou seis textos de Alonso para logo perceber que tudo que escreveu ao longo das muitas páginas do seu livro, está impregnado com esse espírito. Do qual emergem inúmeros episódios que acabam por trazer à tona outros acontecidos com quem os lê. Coisas simples que, infelizmente, vamos esquecendo, e agora são tão bem manipuladas por Odair. Como férias da época da meninice, o copo de leite espumante que se tomava nas fazendas d’antanho, as primeiras namoradas, o clube do coração, além de sagas familiares. Que condensam, afinal, todo um corolário de riquezas que só nos gratifica ter novamente diante dos olhos através das páginas tão bem escritas. No prefácio da obra, assinado pelo jornalista, escritor e professor Luiz Roberto Saviani Rey, ele acentua que o trabalho do nosso colega o levou a lembrar de Pablo Neruda com seu “Confesso que Vivi”. E nas vivências tão ricas de Odair somos efetivamente colocados diante de um ótimo painel do desenvolvimento da própria imprensa campineira nos anos recentes. Vale destacar, por exemplo, a crônica em que é narrado o desenrolar dos primeiros tempos do telejornalismo entre nós. Tendo trabalhado com o jornalista e ex-vereador Romeu Santini na implantação do ótimo telejornal da EPTV, o autor fala de repórteres que aqui começaram tornando-se, depois, profissionais de repercussão nacional e internacional, como Ilse Scamparini, correspondente da Rede Globo na Itália. Para nós jornalistas é gratificante tomar conhecimento, através do “Sessenta Crônicas”, das historinhas passadas nas redações do antigo Diário do Povo e deste Correio Popular, além da sucursal de O Estado de S. Paulo onde Odair atuou ao lado do lendário jornalista Beto Godoy. Quando eu trabalhava na Folha de S. Paulo entrevistei Pedro Nava, talvez o mais importante memorialista brasileiro, autor do magnífico “Baú de Ossos”. Como ele escreveu o livro já quase a entrar na chamada “melhor idade”, perguntei como conviveu tanto tempo com tantas recordações represadas. Respondeu que no dia a dia bem, pois não pensava muito nelas em virtude de suas atividades de médico. Mas foi depois de muitas noites seguidas de insônias ou sonhos recorrentes sobre tantos acontecimentos que acabou saltando da cama às 3 horas de certa madrugada para começar a escrever e se libertar. Não parou mais, e se sentiu leve depois de tanto narrar, em vários livros. A meu ver, Odair Alonso ainda tem muito a contar. Mãos à obra, meu caro.

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