iG - Fabiana Bonilha (Cedoc/RAC)
Diariamente, nós nos valemos dos nossos sentidos para conhecer o mundo e para absorver inúmeras informações que dele nos chegam. Mas será que nós realmente conhecemos o modo como nossos sentidos atuam e sabemos sobre as fronteiras que existem entre um sentido e outro? Ao convivermos com pessoas que enxergam, nós, que somos cegos, nos deparamos com muitas confusões que decorrem dessa inexperiência sensorial, isto é, equívocos que vêm desta falta de conhecimento sobre o campo dos sentidos, conhecimento este que permitiria às pessoas transitarem por entre referenciais perceptivos diferentes. Várias vezes, já me ocorreu, por exemplo, de assistir a alguma aula, palestra ou reunião, e então ser inquirida pelo dirigente: “Você gostaria de sentar mais perto de mim para ouvir melhor minha apresentação?” Com esta pergunta, o dirigente buscava atender minha necessidade específica, fundamentando-se na ideia de que uma pessoa cega precisa ouvir muito bem, por estar impossibilitada de ver. Ora, mas, para ouvir bem, um cego não precisaria se aproximar tanto do apresentador, a menos que, além de ser cego, tivesse também algum déficit de audição! Há, então, neste caso, uma grande confusão entre as deficiências e entre as funcionalidades de cada sentido. Curiosamente, ao mesmo tempo em que se supõe que os cegos devam estar próximos do apresentador para ouvirem melhor, acredita-se, paradoxalmente, que a acuidade auditiva dos cegos é maior, fato que, então, dispensaria ainda amais a necessidade desta aproximação. Na realidade, ao assistirmos uma palestra, não necessitamos de uma proximidade física com o palestrante, mas sim de uma proximidade com o conteúdo apresentado, valendo-nos para isso de recursos de acessibilidade convenientes. Em nosso cotidiano, não é raro também que alguém fale conosco com um maior volume de voz e de maneira mais pausada, o que caracteriza este entendimento distorcido sobre os limites entre o ouvir e o ver. Um outro exemplo curioso deste tipo de engano ocorre quando alguém está descrevendo um filme para nós e esta pessoa inadvertidamente começa a repetir as falas dos personagens, ao invés de se limitar a descrever as imagens do filme. Além desta confusão entre a visão e a audição, há também ideias equivocadas sobre as esferas da visão e do tato. Na tentativa de nos apresentar alguma informação estritamente visual, como um desenho ou uma pintura, algumas pessoas buscam reproduzir em relevo esta ilustração. Entretanto, a mera reprodução em relevo não é suficiente para que o tato compreenda a informação que se pretende passar. Isto porque o tato e a visão são sentidos que atuam de formas muito distintas, e que requerem linguagens estéticas diferentes. Pela visão, se pode compreender figuras tridimensionais em perspectiva, algo que, pelo tato, é impossível. Assim, não se pode contemplar por meio do tato uma reprodução de uma obra visual, esperando-se que esta seja apreciada da mesma maneira. É muito importante ressaltar que estas confusões não resultam da inexperiência de se lidar com pessoas cegas, mas são frutos da falta de conhecimento sobre a atuação dos sentidos. Logo, não se desfazem esses equívocos por meio de estratégias específicas e pontuais que visam ensinar as pessoas a se relacionarem com quem tem uma deficiência, mas sim por meio de uma melhor educação voltada ao uso dos sentidos e ao aprimoramento da sensibilidade. *Fabiana Bonilha, Doutora em Música pela UNICAMP, psicóloga, é cega congênita, e escreve semanalmente no E-Braille. E-mail: [email protected]