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A importância do diagnóstico precoce

Projeto difunde formas de reconhecer o autismo desde cedo e busca instalar centro de referência na cidade

Érica Araium
04/05/2015 às 17:39.
Atualizado em 23/04/2022 às 15:22
"Há o despreparo dos médicos pediatras para terem o olhar treinado para essas questões do desenvolvimento atípico precoce, bem como a falta da participação das equipes da educação" (Elcio Alves/AAN )

"Há o despreparo dos médicos pediatras para terem o olhar treinado para essas questões do desenvolvimento atípico precoce, bem como a falta da participação das equipes da educação" (Elcio Alves/AAN )

Recentemente, o Projeto de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Paica) promoveu em Campinas o I Congresso Internacional de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e síndromes correlacionadas. À frente da iniciativa e da entidade campineira está a psiquiatra e psicoterapeuta Sueli Cabral Rathsam, que atua na área há mais de três décadas e tem se dedicado de forma incansável à construção e implementação do primeiro centro de referência para autismo da América Latina. O projeto prevê sede em Campinas e modelo mais abrangente ao que já é aplicado, há dois anos, no Paica, de forma gratuita. O afinco desta médica chamou a atenção do diretor científico e professor doutor Athanasios Maras, do renomado Instituto Yulius. Com forte atuação em 70 unidades na Holanda, a instituição presta assistência em saúde mental a cerca de 19 mil pessoas, além de desenvolver projetos educacionais, oferecendo mais de mil atendimentos por dia a crianças e adolescentes com distúrbios psicológicos ou comportamentais. Foi de uma visita patrocinada pela Mahle Autopeças, que surgiu o Paica e firmou-se a parceria acadêmico-científica entre ele e Instituto Yulius para a região de Campinas. Sueli, que é mestre, doutora e especialista em infância e adolescência pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, bem como especialista em tratamento de psicóticos pelo Instituto Rivière de Paris, conversou com a Metrópole sobre o dificultoso mapeamento da doença no Brasil, onde o diagnóstico se dá de forma tardia, muito aquém do ideal (entre os seis meses e dois anos de vida). Também destacou as iniciativas mais recentes para tratamento adequado a pacientes, suporte a familiares e sensibilização das instituições de ensino à genuína inclusão. Metrópole - Quais as pesquisas mais recentes que vêm sendo desenvolvidas sobre o TEA? Sueli Cabral Rathsam - Existem várias pesquisas em andamento e todas têm relevância, uma vez que não sabemos ainda qual a causa do autismo. Entre as mais importantes estão as com células-tronco tiradas da polpa do dente de leite e a estimulação magnética transcraniana, mas há poucos dados científicos sobre a real prevalência do transtorno. Existe ainda o desenvolvimento de novos medicamentos. Como a senhora destaca a importância de um evento como o I Congresso Internacional sobre TEA e síndromes correlacionadas para a região? Trouxemos para o Brasil palestrantes que trabalham no Instituto Yulius e no Horizon, da Holanda, onde o TEA é tratado com uma abordagem diferenciada e abrangente. Foram abordados sexualidade, escolarização, sociabilização, diagnóstico precoce, casos em que a medicação é realmente necessária, tratamentos alternativos, autismo na vida adulta etc. Os palestrantes são pesquisadores, médicos, pais e autistas. Ou seja, tratou-se de um congresso para todos os interessados no assunto. Já estamos preparando o congresso para 2016. O público mostrou-se muito satisfeito com o alto nível do evento. A senhora encampa a instalação do primeiro centro de referência de atendimento integral de pacientes autistas da América Latina, com sede em Campinas. Em que pé está o projeto? A implantação do projeto é também do modelo de atendimento com ênfase na autonomia do paciente. Já temos apoio da Prefeitura de Campinas, que nos concedeu cessão de uso de uma área para construção do complexo hospitalar, assistência, alojamento para pais e centro de pesquisa. Buscamos parcerias privadas para dar prosseguimento ao projeto e voluntários dispostos a contribuir. Interessados em ajudar, seja financeiramente ou por meio do voluntariado, podem entrar em contato com o Paica ([email protected]). Este modelo de atendimento seria o mesmo aplicado no Paica, projeto espelhado no Instituto Yulis? Sim. Em nosso projeto, a ideia é que se possa fazer desde o diagnóstico precoce e que haja linhas estratégicas e bem abrangentes de atendimento. Precisamos sensibilizar as pessoas que convivem com portadores deste transtorno desde a tenra idade para que contribuam ao diagnóstico e tratamento precoce. Os holandeses partilharam a experiência bem-sucedida do Instituto Yulis durante o congresso. Estamos prestes a assinar um termo de ajustamento de conduta junto ao governo do Estado de São Paulo para nos credenciarmos como instituição que atende ao autismo. Pretendemos ser uma unidade capacitadora e multiplicadora. E também atender crianças e adolescentes em situação de risco, oferecendo cursos profissionalizantes, atividades esportivas e espaços de construção de um projeto de vida melhor. Hoje, no Paica, que é uma instituição sem fins lucrativos, somos 60 voluntários (precisaríamos de 120 para dar conta da demanda), atendendo 20 crianças em circuito multidisciplinar e 40 em atendimentos individuais, dentro de projetos terapêuticos personalizados. Dados do Center of Diseases Control and Prevention (CDC), do governo estadunidense, divulgados em 2014, alertam para a ocorrência de autismo em uma a cada 68 crianças. Há dois anos, a senhora estimava que havia, na Região Metropolitana de Campinas, cerca de 25 mil crianças com necessidades na área de Saúde Mental das quais 1,5% teriam patologia do espectro autista. Há dados atualizados? Números precisos ninguém tem ainda, pois trabalha-se com a base do CDC, que estima (que a doença afete) cerca de 1% da população mundial. Segundo dados do IBGE de 2014, temos na região de Campinas 1.154.617 habitantes, logo podemos calcular que temos cerca de 1,1 mil pessoas dentro do espectro. Sabendo que os graus variam muito, temos pessoas mais e menos comprometidas. Porém, todas precisam de atendimento para criar independência. Por isso tamanha a importância da implementação deste centro de referência que propomos para a América Latina. Que entraves há hoje, no Brasil, para o diagnóstico precoce da doença que, em países desenvolvidos é feito entre os dois meses e os seis anos de vida? No Brasil, o diagnóstico confirmado se dá entre nove e 12 anos. Há o despreparo dos médicos pediatras para terem o olhar treinado para essas questões do desenvolvimento atípico precoce, bem como a falta da participação das equipes da educação. E também da sociedade como um todo, pois os principais sinais são notados na primeira infância. E, claro, é necessário um olhar atento do poder público para esta questão, pois os índices de prevalência do autismo aumentam a cada dia. Que características, de maneira geral, devem ser observadas pelos pais e relatadas ao pediatra que acompanha a criança para que o diagnóstico seja mais preciso e rápido? Introspecção, dificuldade na comunicação verbal, não conseguir olhar nos olhos, brincar de maneira incomum, isolamento. A partir dos seis meses, todo cuidador, sejam os pais ou não, precisa observar o comportamento afetivo e de formação de vínculo da criança. Além disso, há quadros de outras patologias, como déficit de atenção, depressão e ansiedade, que podem vir associadas ao TEA e, para algumas delas, pode haver a administração de medicamentos. Para o autismo ainda não existe medicação, mas tratamento e acompanhamento multidisciplinar. Instituições como a Associação para o Desenvolvimento dos Autistas em Campinas (Adacamp) e o Paica têm equipes multidisciplinares, constituídas por voluntários em sua maioria e não conseguem atender à demanda de atendimentos. É isso mesmo? Todas as instituições fazem um trabalho sério. Precisamos unir forças e compartilhar principalmente conhecimento para atendermos o maior número de pacientes possível. Cada instituição tem uma linha de atendimento e, no congresso, o objetivo foi o compartilhamento de todo e qualquer conhecimento científico de vanguarda. A ONU criou a data da conscientização sobre o autismo (2 de abril) no fim de 2007 e, desde 2008, o mundo todo se ilumina de azul pelo autismo nesse dia. Esse simbolismo serviu de "sinal de alerta" à sociedade de que é preciso dialogar sobre o tema? Toda forma de conscientização é válida, mas precisamos ir além. É importante que os meios de comunicação trabalhem em prol do diagnóstico precoce; que os professores em sua formação de base sejam capacitados para trabalhar com inclusão real; que todas as famílias com autistas ou neurotípicos estimulem seus filhos para saber lidar com as diferenças, e isso tem que ser todos os dias do ano. 

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